terça-feira, 8 de maio de 2012

Precaução e Prevenção


A nível de semântica, apesar de paralelos, poderão ser apontadas variações entre os conceitos de "precaução" e "prevenção", apesar de não ser algo fácil de definir. "Precaução" significa cautela antecipada; medida tomada para evitar ou atenuar um mal ou algo que se receia; circunspecção; prudência. Já "prevenção", consiste no acto ou efeito de prevenir; aviso prévio; opinião antecipada; premeditação.
Um dos marcos que contribuiu para a afirmação do direito do ambiente como disciplina jurídica autónoma tem a ver com a autonomização dos princípios do direito do ambiente, princípios gerais, fundamentais ou estruturantes do direito do ambiente, enquanto princípios orientadores do direito e política do ambiente e que vinculam as entidades públicas e privadas, que serão responsáveis pela prossecução dessa política.
Estes princípios têm vindo a ser desenvolvidos pela doutrina e pela jurisprudência e já possuem alguma consagração legislativa. Foquemo-nos nos Princípios da Precaução e da Prevenção em concreto, já que são diversas as posições na doutrina relativamente aos mesmos.
O Professor Vasco Pereira da Silva é da opinião de que seria mais vantajosa a construção de uma noção ampla de prevenção que englobasse a noção de precaução, visto que deste modo, o jurista do ambiente possuiria um meio adequado para resolver os problemas com que é confrontado e seria esta via suficiente e mais eficaz do que a autonomização do princípio da precaução, que como afirma poderia ter consequências manifestamente excessivas e nada razoáveis do ponto de vista lógico e jurídico.
Já o Professor Gomes Canotilho aponta semelhanças e diferenças, a seu ver relevantes, entre o alcance dos respectivos princípios, que poderiam justificar uma autonomização dos princípios. Apesar disto, o Professor Gomes Canotilho apresenta-nos um princípio da prevenção com um conteúdo pouco preciso. Numa tentativa de clarificar a sua definição, o Professor Gomes Canotilho descodifica o seu alcance jurídico: prevenir danos e agressões ambientais em vez de as remediar. Deste modo, no que diz respeito à política do ambiente, esta deve ser definida de modo a evitar agressões ambientais, sendo imperativa a adopção de medidas preventivas e antecipatórias, substituindo as medidas repressivas e mediadoras. Por outro lado, o controlo da poluição deveria proceder-se na fonte, na origem, espacial e temporal, através de diversos instrumentos, como por exemplo a avaliação de impacto ambiental, o estabelecimento de valores limite, testes de qualidade. Quanto à política do ambiente, o Professor Gomes Canotilho é da opinião de que esta deveria ser exercida de modo a obrigar o poluidor a corrigir e a recuperar o ambiente, concretizando-se este dever através de corolários ou subprincípios como o ‘produtor-pagador’, ‘poluidor-pagador’.
Relativamente ao princípio da precaução, o Professor Gomes Canotilho alerta para o facto de este ser muitas vezes associado ao princípio da prevenção, ressalvando o facto de este, ao longo dos anos, ter vindo a ganhar alguma autonomia nas legislações e doutrina mais modernas. O princípio da precaução pressupõe que o ambiente prevalece sobre o agente poluidor sempre que haja dúvidas sobre a perigosidade ambiental de uma actividade e que as emissões poluentes deverão ser reduzidas mesmo que não haja uma prova científica inequívoca sobre o nexo de causalidade e os seus efeitos.
Quanto à opinião do Professor Figueiredo Dias este também nos apresenta uma possível autonomização do princípio da precaução. Figueiredo Dias apresenta-nos o princípio da prevenção como um princípio cuja projecção é muito importante tendo em conta a natureza muito própria dos bens que se pretendem tutelar. Deste modo, o Professor considera que o mais importante na regulamentação jurídica dos comportamentos susceptíveis de produzir efeitos sobre o ambiente, é prevenir danos e agressões ambientais em vez de uma tentativa de as remediar. Mais do que desenvolver meios de reacção aos danos ambientais interessa que ‘’as actuações com efeitos imediatos ou a prazo no ambiente’’ sejam ‘’consideradas de forma antecipativa’’, de modo a reduzir ou mesmo eliminar as próprias causas de alteração do ambiente, tal como dispõe o artigo 3º al. A) da LBA. Será de extrema importância, referir ainda o artigo 66º nº2 da CRP, que acrescenta às incumbências do Estado a prevenção e o controlo da poluição e dos seus efeitos, bem como a sua previsão a nível comunitário.
No que diz respeito ao princípio da precaução, o Professor Figueiredo Dias, define-o como o princípio mais recente do elenco dos princípios de direito do ambiente, admitindo, no entanto, a existência de dúvidas sobre os seu exacto conteúdo, admitindo igualmente, que não se poderá considerar ainda um princípio acolhido na legislação e na prática, uma vez que o seu campo de incidência é limitado pelo direito internacional, onde já foi consagrado.
Do seu campo de aplicação farão parte os casos de dúvida, o que implica que o ambiente deva ter a seu favor o benefício da dúvida sempre que haja incerteza e falta de provas científicas suficientes para demonstrar a inocuidade ambiental e um certo comportamento. Daí que se afirme que a incerteza científica fez a sua entrada no direito por via deste princípio, que permite uma base de actuação sempre que a ciência não possa dar uma resposta clara e inequívoca.
A mais importante consequência prática apontada pelo Professor Figueiredo Dias prende-se com a transferência do ónus da prova do nexo causal entre a fonte poluidora e o dano ambiental do legislador para o poluidor potencial, na medida em que é este que tem de provar que as suas actividades não produzem impactos ambientais nocivos. No caso de este não o conseguir provar, a decisão terá de ser tomada contra ele, seja no sentido de o impedir de levar a cabo determinada acção, de o fazer suspender ou cessar o exercício de uma actividade ou ainda de o obrigar a tomar medidas para recuperar o componente ambiental lesado ou a ressarcir os lesados nos seus direitos ao ambiente. Ressalve-se que não há necessidade de uma prova científica inequívoca sobre o nexo de causalidade entre o comportamento proibido e o dano ambiental.
Só o futuro nos dirá a medida em que este princípio do direito do ambiente poderá ou não vir a ser acolhido nas ordens jurídicas internas. O seu campo de aplicação ainda se encontra relativamente circunscrito, havendo sinais que nos levam a calcular que mais cedo ou mais tarde este princípio poderá vir a ganhar importância, abrindo as portas ao mundo do direito à adopção de medidas de protecção contra riscos desconhecidos. Posto isto, penso que no meio de posições tão divergentes e em caso de dúvida, fará sentido adoptar uma posição mais intermédia, preferindo uma junção ou acréscimo ao princípio da prevenção e não uma autonomização do princípio da precaução, tendo em conta as consequências pouco razoáveis e excessivas que este poderia trazer. A consequência que a adopção deste princípio poderia trazer prende-se com o facto de mesmo não havendo uma certeza científica que provasse o nexo causal entre um comportamento proibido e um dano, o ambiente teria que ser sempre protegido. Podendo esta incerteza levar à atribuição de sanções injustas, excessivas e tudo menos razoáveis à fonte poluidora.

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