quinta-feira, 17 de maio de 2012

Responsabilidade por danos ambientais


O tema que vou tratar diz respeito à responsabilidade administrativa em matéria ambiental. Esta que é uma questão que se discute desde o passado e que, dado a sua relevância merece a nossa atenção no presente.
Esquizofrenia do passado
O legado que nos foi deixado pelo passado reconduz-se a uma manta de retalhos, a uma biblioteca em que todos se perdem e que mais se assemelha a um labirinto jurídico. Deixando afastada qualquer possibilidade de enquadramento das realidades.
Esta deficiência decorre da existência de duas realidades fragmentadas no quadro do direito, como são, o seu regime jurídico e a questão do Tribunal competente.
Primeiro, a nível do regime jurídico, devido à inexistência de uma lei específica de responsabilidade e que reclama pela aplicação dos regimes gerais do direito público e do direito privado. Verifica-se um tratamento diferenciado da responsabilidade civil da Administração e dos particulares no domínio do ambiente, além da própria regulação da responsabilidade administrativa não ser uniforme, ora submetida a regras especificas ora subordinada às mesmas regras que os privados. Mais, à multiplicidade de fontes de direito, acresce uma regulação parcelar e fragmentada da matéria.
Daqui se conclui facilmente, pelo carácter esquizofrénico do regime ao dividir os danos ambientais e duas metades sem qualquer preocupação de homogeneidade.
Acerca do Tribunal Competente, os problemas colocam-se quando constatamos a existência de duas jurisdições, uma dos Tribunais Judiciais e uma dos Tribunais administrativos. As questões da responsabilidade civil no domínio do ambiente tanto são da competência da jurisdição comum como da jurisdição administrativa. O problema agrava-se quando não existem critérios nítidos de distinção entre a competência de cada uma das jurisdições, abrindo portas ao conflito de jurisdições.
No passado, não existia nem lei nem critérios de definição do Tribunal competente e posto isto, a solução mais fácil perante esta falta de unidade na consideração das questões da responsabilidade civil no domínio ambiental seria a denegação de justiça. A consequência seriam os conflitos negativos de competência, em que os tribunais decidem não actuar.

A necessidade imperiosa da mudança
 Perante este estado de coisas, tornava-se absolutamente essencial e imperioso, uma lei de responsabilidade em razão da especificidade das questões ambientais. O assumir desta realidade obrigou à existência de uma lei própria que acaba por surgir nos finais dos anos 90, em parte por exigência europeia. Na verdade, Portugal aproveitou a boleia da Europa aquando da transposição da Directiva Comunitária como uma oportunidade para a criação de um regime geral de que tanto carecíamos, sendo unanime a ideia quanto à necessidade desta inovação legislativa.

As especificidades desta lei
 Antes de mais, seria necessário que a lei da responsabilidade ambiental se preocupa-se com questões relacionadas com a ilicitude dando origem à responsabilidade de natureza subjectiva.
Numa comparação com a lei civil, é imperativo uma lógica de compatibilização entre responsabilidade objectiva e subjectiva.
 Outra especificidade, prende-se com a necessidade de adopção de uma noção objectiva de culpa que não se reconduz à reprovabilidade moral do comportamento do sujeito, idêntica à que existe no direito penal. Apenas se considera o facto de ser determinado sujeito o autor daquela conduta, por via da imputação de um facto a alguém. O que se pretende é no fundo um sistema objectivado que não parta de uma valoração do comportamento do particular. Bastando para que haja culpa que alguém seja responsável por determinada lesão.
 Além disso, seria preciso distinguir o dano objectivo do dano subjectivo. Neste sentido, se determinado facto provoca danos às pessoas também afecta o meio ambiente no seu todo considerado, como algo a que tomos temos direito. Não só ocorre uma lesão dos direitos subjectivos individualmente considerados, como assitismos a um dano geral que afecta toda a natureza pondo em causa toda a sua biodiversidade.
Já o Prof. Cunhal Sendim teve oportunidade de realçar a distinção entre o dano ambiental, numa vertente subjectiva e o dano ecológico como correspondendo à lógica objectiva.
O Prof. Vasco Pereira apesar de não concordar com estas expressões, subscreve na totalidade a distinção entre lógica objectiva e subjectiva independentemente da noção que se queira adoptar.
Ainda, outra especificidade relevante, é o nexo de causalidade.
No quadro do direito do ambiente a causalidade é múltipla, bem como, as múltiplas causas são diversificadas, há causas locais e situadas a distâncias longínquas daquela onde se verifica o facto danoso. As causas nunca são isoladas, há sempre uma multiplicidade de causas, de natureza global. A causalidade pode ser determinada em abstracto, e não em concreto, o que não se pode é dispensar a causalidade.
No entendimento do Prof. Vasco Pereira da Silva, deve-se adoptar aquilo que o direito alemão chama de presunções de causalidade, se algo é adequado a produzir determinado dano e está condições de o fazer, pode se presumir que o dano foi causado por determinado facto. Isto resolve a maior parte dos problemas, do direito do ambiente. Independentemente destas regras, à mesma realidade se pode chegar através da lógica francesa da flexibilização dos critérios de prova utilizando juízos de prognose ou de probabilidade e não de certeza científica.
 Por tudo o que ficou dito acima, justifica-se reclamar por um regime próprio e adequado de responsabilidade ambiental.
Foi neste sentido, que se decidiu estabelecer uma responsabilidade pública do estado e instituições públicas pela existência de um dano, em que não apenas o privado que cometeu o dano é responsável.
As diferenciações entre direito público e privado, desaparecem, o regime é específico e unificado. Esta conquista resulta desde logo das opções que encontramos espelhadas no ETAF e também da Diretiva Europeia transposta para a nossa Ordem Jurídica interna, que foi pioneira na criação desta responsabilidade civil pública ao lado da responsabilidade do autor do dano. É em 2007 que o contencioso adquire uma dimensão mais ampla, incorporando a lógica da directiva com medidas de prevenção, reparação e pedidos de intervenção dos particulares, obrigando a autoridade pública a tomar medidas que o evitem o dano.
O diploma 147/2008 vem colmatar as dificuldades que referi supra, concedendo o tratamento adequado de que esta matéria carecia.
O Prof. Vasco Pereira da Silva faz algumas críticas no sentido de que o diploma poderia ter sido mais ousado, menos tímido, sublinhando que apesar de tudo, o que estabeleceu está correcto.

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