Comparando o Decreto-lei n.º 147/2008, diploma que
estabelece o actual regime de responsabilidade civil ambiental em Portugal, com
a Directiva nº 2004/35/CE encontramos soluções do primeiro que não vão de encontro
ao objectivo estabelecido na directiva que regula a reparação dos danos ecológicos - os danos causados á
natureza em si mesma (conceito que reflecte posição mais ecocêntrica).
Razões de
Autonomização dos Danos Ecológicos
Os danos ecológicos são diferentes dos danos ambientais – danos pessoais ou patrimoniais sofridos
reflexamente pela lesão de um qualquer componente ambiental (conceito que reflecte posição mais
antropocêntrica).
O dano ecológico é o dano que lesa o bem jurídico ambiente, mas,
não lesa as pessoas nos seus bens de personalidade, nos seus bens patrimoniais,
não sendo reparável através da responsabilidade civil nos moldes tradicionais
que conhecemos.
1. Diferente natureza
O bem lesado (ambiente) sendo um bem colectivo, a sua lesão
tendo uma natureza pública deve estar sujeita a um regime jurídico específico,
pois trata de uma realidade jurídica distinta.
2. Diferente
obrigação gerada
Sendo o bem público, não apropriável, nem transaccionável, a
avaliação económica do dano para o cálculo de indemnização pecuniária é
incompreensível, desta maneira, a responsabilidade ambiental quanto a estes
danos deve gerar obrigações de natureza preventiva ou reparadora (danos já consumados)
de tipo restaurativo e não de tipo ressarcitório - reparação in natura.
3. Diferente zelador
Tendo em conta que este dano não tem propriamente lesados
determináveis (o lesado é o meio ambiente), o principal zelador do bem Ambiente
individualmente considerado são os representantes da colectividade e não os
particulares. Desta maneira, as autoridades administrativas devem cuidar da
manutenção do património natural, mantendo a capacidade funcional ecológica que
se procura proteger através do Direito do Ambiente. A administração assume
assim um papel de enorme relevo na prevenção de lesões e na efectiva reparação
do mal infligido.
Portanto
autonomização e distinção na efectivação de responsabilidade por estes danos é
assim crucial para uma real protecção do meio ambiente.
Autonomização do Dano
Ecológico na directiva
Considerando as razões acima indicadas a Directiva nº
2004/35/CE procurou criar unicamente um novo modelo de responsabilidade
ambiental, distinto do modelo clássico de responsabilidade civil e que melhor
se quadrasse com as especificidades do dano ecológico.
- Considerando 14 «a presente directiva não é aplicável aos casos de danos pessoais, de danos á propriedade privada ou de prejuízo económico»;
- Artigo 3.º, n.º3 «a presente directiva não confere aos particulares o direito a compensação na sequência de danos ambientais ou de ameaça iminente desses danos.».
Duplicidade no regime
de responsabilidade ambiental do Decreto-Lei nº 147/2008
O Decreto-Lei nº 147/2008 transpôs a Directiva nº
2004/35/CE, porém, não se ficou por aí. Além de consagrar o regime da
responsabilidade civil por danos ecológicos, prevê também um outro regime de
responsabilidade civil por dano ambiental (danos a direitos subjectivos e
interesses juridicamente tutelados que têm como causa um dano ecológico) que se
assemelha ao figurino de responsabilidade civil clássico.
Preâmbulo do Decreto-Lei nº 147/2008
«(...)Assim, estabelece-se, por um lado, um regime de
responsabilidade civil subjectiva e objectiva nos termos do qual os operadores-poluidores ficam obrigados a
indemnizar os indivíduos lesados pelos danos sofridos por via de um componente
ambiental. Por
outro, fixa-se um regime de responsabilidade administrativa
destinado a reparar os danos causados ao
ambiente perante toda a colectividade, transpondo desta forma para o
ordenamento jurídico nacional a Directiva n.º 2004/35/CE, do Parlamento
Europeu e do Conselho, de 21 de Outubro(...)»
O regime de
responsabilidade civil por dano ambiental admite várias formas de
compensação dos lesados, incluindo em última análise a possibilidade de uma indemnização. Investe assim os cidadãos na
qualidade de zeladores do ambiente.
Concluímos então que o actual regime português de
responsabilidade ambiental é um regime complexo:
- O capítulo II do regime regula a indemnização de lesões sofridas por determinados indivíduos em concreto (danos ambientais);
- O capítulo III acautela a reparação de danos provocados ao meio ambiente que apenas de forma difusa acabam por afectar a colectividade (danos ecológicos).
Capítulo II:
§
Relação entre autor do dano e vítima está
presente em todos os artigos desta capítulo.
§
É possível obrigação de indemnização – as
obrigações são de natureza reparadora de tipo ressarcitório (preâmbulo de
Decreto-Lei nº 147/2008 «(...)operadores -poluidores ficam obrigados a
indemnizar os indivíduos lesados(...)»; e artigo 10.º Decreto-Lei nº
147/2008 .
§
É um regime inspirado no artigo 483.º do Código
Civil.
Capitulo III:
§
Está ausente a típica relação entre lesante e
lesado característica da responsabilidade civil clássica, temos em vez disso um
papel fulcral da administração (Agência Portuguesa do Ambiente - autoridade
competente designada) na efectivação da responsabilidade do operador-poluidor
(14.º/5; 15.º/3 Decreto-Lei nº 147/2008). Chega mesmo a executar ela própria as
medidas de prevenção e reparação nos casos do 17.º do Decreto-Lei nº 147/2008.
§ O
intervencionismo da entidade administrativa consagrado no capitulo III reflecte
não só o seu papel na efectivação da responsabilidade do operador-poluidor, mas
também a obrigação constitucional do estado em proteger o ambiente.
§ As
obrigações geradas pela responsabilidade civil por dano ecológico são de
natureza preventiva (medidas de prevenção - artigo 14.º Decreto-Lei nº
147/2008) e de natureza reparadora de tipo restaurativo (medidas de reparação –
Anexo V Decreto-Lei nº 147/2008 e Directiva n.º 2004/35/CE excluem a
compensação financeira, medidas consistem unicamente numa reconstituição
natural).
§ É
um regime de Direito Público pela sua natureza preventiva e por reflectir a
tarefa zeladora do Estado que neste capitulo se destaca (desde logo dando o
equívoco nome ao capitulo III – é claro que este ainda trata de
responsabilidade civil).
Temos dois capítulos
que visam duas formas de actuação para danos diferentes.
*A interpretação do diploma como ilustrada acima não é pacífica
doutrinariamente. Existem interpretações diferentes do diploma consoante a
visão mais antropocêntrista os ecocêntrista da doutrina.
Bibliografia:
SILVA, Vasco Pereira da, Verde Cor de Direito
SENDIM, José Cunhal, Responsabilidade
Civil por Danos Ecológicos, Cadernos CEDOUA
GOMES, Carla Amado, A responsabilidade civil por dano
ecológico, O Direito, páginas 127-161
ANTUNES, Tiago, Da natureza jurídica da responsabilidade
ambiental , Cadernos O Direito, páginas 137-165
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