sexta-feira, 18 de maio de 2012

AIA e AAE : (dis)semelhanças


Com este excurso, tentar-se-á destrinçar as figuras da Avaliação de Impacte Ambiental (doravante, AIA) de projectos e da Avaliação de Impacte Ambiental de planos e programas (legalmente denominada de Avaliação Ambiental Estratégica, por diploma infra mencionado), tentando-se, concomitantemente, confrontá-las.
Comecemos, então, por referir onde se encontram vertidos os correspectivos regimes. Quanto à AIA de projectos, procedimento administrativo especial, privativo do Direito do Ambiente, é regulada, actualmente, pelo D.L. 69/2000, de 3 de Maio, alterado e republicado pelo D.L. 197/2005, de 8 de Novembro. Já no que diz respeito à AIA de planos e programas, esta encontra consagração no D.L. 232/2007, de 15 de Junho. Ambos os diplomas resultam da transposição para o Direito interno de várias Directivas Comunitárias, a saber: quanto à primeira figura, esta possui a sua sede legal na Directiva n.º 85/337/CEE, do Conselho, de 27 de Julho de 1985 (cuja transposição foi realizada tardiamente e de forma incompleta, em 1990, tendo daí resultado a instauração, em 1997, de uma acção de incumprimento, pela Comissão Europeia, cujo desfecho foi desfavorável ao Estado Português), actualmente com a redacção introduzida pela Directiva n.º 97/11/CE, do Conselho, de 3 de Março de 1997, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente, tendo a Directiva de 1985 sido publicada cinco anos após o primeiro projecto de Directiva, que data de 1980 e que ficou então conhecido como “Projecto Pettini”, facto bem demonstrativo da dificuldade de obtenção de consenso numa matéria tão sensível como a AIA; quanto à segunda figura, ela tem origem nas Directivas nºs 2001/42/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Junho, cujo desiderato é, como resulta do preâmbulo do D.L. 232/2007, “…assegurar que, através da adopção de um modelo procedimental e da participação do público e de entidades com responsabilidades em matérias ambientais, as consequências ambientais de um determinado plano ou programa produzido ou adoptado por uma entidade no uso de poderes públicos são previamente identificadas e avaliadas durante a fase da sua elaboração e antes da sua adopção” e 2003/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Maio, “…que estabelece a participação do público na elaboração de certos planos e programas relativos ao ambiente”, também do preâmbulo acima aludido.
Cumpre agora tecer algumas considerações de ordem geral. Subjacente aos dois instrumentos de AIA, há a perspectiva de existência de um bem comum – Ambiente –, o qual é, naturalmente, insusceptível de apropriação individual, mas antes pertença da colectividade. Está-se pois perante um verdadeiro direito colectivo, que embora seja pela sua natureza difuso, atribui importantes prerrogativas de actuação, tanto activa como passiva, ao cidadão e à sociedade, já que “Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente desequilibrado e o dever de o defender.” (art. 66.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, futuramente CRP)
Ora, para efectivar a salvaguarda de tal direito precisamente numa perspectiva de “…optimizar e garantir a continuidade de utilização dos recursos naturais, qualitativa e quantitativamente, como pressuposto básico de um desenvolvimento auto-sustentado” (art. 2.º, n.º 2 da Lei de Bases do Ambiente, posteriormente LBA), surgem estas formas de actuação preventiva, pelas quais se pretende prever, antecipadamente, conflitos ambientais, de modo a obter uma correcta e acertada resolução dos mesmos, do ponto de vista da finitude dos recursos e, por isso mesmo, numa óptica de utilização racional dos mesmos, pois há que “promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica, com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações”, como resulta do disposto na alínea d) do n.º 2 do art. 66.º da CRP.
Deste modo, a perspectiva da análise preventiva, que deve sempre anteceder a decisão sobre a implementação de empreendimentos de grande dimensão, tem que tomar em consideração não apenas as incidências sobre o ambiente, mas também a inserção do Homem na óptica da saúde humana e de promoção da qualidade de vida das populações abrangidas por tais empreendimentos, de um ponto de vista presente e futuro, apresentando necessariamente alternativas de traçado ou implantação, consoante o tipo de empreendimentos em causa, de maneira a que haja uma correcta opção de decisão e de salvaguarda dos objectivos e valores em causa.
Tal processo implica obrigatoriamente uma ideia de ponderação de bens e interesses, verdadeiro campo de aplicação do conceito de “colisão de direitos”, ideia muito bem sintetizada numa peça jurisprudencial da Relação de Coimbra, de 1994, que ficou conhecida como o caso “Taipal” - e que constitui, para vários Autores, um acórdão de” inegável simbologia para a afirmação do Direito do Ambiente em Portugal” -, onde se concluiu que “…os direitos em presença são subjectivos, mas um deles é subjectivo público e, havendo incompatibilidade, será esse direito ou interesse difuso que prevalecerá, porquanto, sendo os direitos subjectivos instrumentos de realização das necessidades públicas, estas são prioritárias e com elas se terão de harmonizar os particulares.” Neste sentido, vai Gomes Canotilho, quando considera que estamos perante o campo de aplicação do “Princípio da ponderação de bens e direitos conflituantes inerentes ao Estado de Direito”.
Assumindo-se a AIA como um instrumento para a execução de tais objectivos e salvaguarda de tal intervenção preventiva, podemos defini-la, na esteira de MARTIN MATEO, como o “procedimento participativo para a ponderação antecipada das consequências ambientais para uma decisão em Direito Público”.
Passar-se-á, de seguida, à análise propriamente dita dos regimes jurídicos dos instrumentos em questão.
Como ponto de partida, diga-se qual é o objecto das diferentes figuras. Atendendo ao disposto no art. 1.º, n.º 1 do D.L. 69/2000, o objecto deste diploma consiste na regulação do regime jurídico da avaliação de impacte ambiental dos projectos, públicos e privados, susceptíveis de produzirem efeitos significativos no ambiente, ao passo que o D.L. 232/2007 se ocupa do regime jurídico da avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente, de acordo com o preceituado no art. 1.º, n.º 1. Como marca distintiva dos dois instrumentos de avaliação de impacte ambiental, temos que o primeiro somente diz respeito a projectos, cuja definição vem presente na alínea o) do art. 2.º do DL 69/2000 e que agora se transcreve: “concepção e realização de obras de construção ou de outras intervenções no meio natural ou na paisagem, incluindo as intervenções destinadas à exploração de recursos naturais”, enquanto o segundo trata de planos e programas, vindo este conceito explicado na alínea b) do art. 2.º do D.L. 232/2007, através da enunciação de dois requisitos de verificação cumulativa.
Relativamente ao âmbito de aplicação dos diplomas em análise, no art. 1.º, n.º 1 do D.L. 69/2000, estabelece-se o âmbito genérico, com uma grande amplitude, do procedimento de AIA, abrangendo “todos os projectos públicos e privados susceptíveis de produzirem efeitos significativos no ambiente”, passando-se no n.º 3 a fazer uma delimitação positiva de sujeição a AIA dos projectos elencados nos anexos I e II do mesmo Decreto-Lei, ao mesmo tempo que o n.º 5 estatui a sujeição a AIA dos projectos que, casuisticamente, por decisão conjunta do Ministro do Ambiente e do Ministro competente na área do projecto em razão da matéria, sejam considerados como susceptíveis de provocar um impacte significativo no ambiente, em função da sua localização, dimensão ou natureza. No n.º 6, encontramos uma delimitação negativa do âmbito de aplicação do diploma supra mencionado, ao referir-se que “…sempre que o Ministro da Defesa Nacional reconheça que o procedimento de AIA tem efeitos adversos sobre as necessidades da defesa nacional…”, este diploma não se aplicará a projectos relacionados com a mesma, disposição que não se compreende muito bem. Por seu lado, o art. 3.º, n.º 1, agora do D.L. 232/2007, determina, nas suas três alíneas, quais os planos e programas sujeitos a avaliação ambiental estratégica: na alínea a), vêm previstos planos e programas para variadíssimos sectores de actividade e que constituam enquadramento para a futura aprovação de projectos enunciados nos anexos I e II do D.L. 69/2000; na alínea b), os planos e programas que venham a produzir efeitos em sítios da Rede Natura 2000 e que, por isso, devam ser sujeitos a uma avaliação de incidências ambientais nos termos do art. 10.º do D.L. 140/99, de 24 de Abril, na redacção que lhe foi dada pelo D.L. 49/2005, de 24 de Fevereiro; e, por último, na alínea c), os planos e programas, não incluídos nas alíneas anteriores, que constituam enquadramento para a futura aprovação de projectos (o que sejam planos e programas de enquadramento de futuros projectos vem concretizado no n.º 5) e que sejam qualificados como susceptíveis de ter efeitos significativos no ambiente, cabendo essa qualificação às entidades mencionadas no n.º 6.
De seguida, umas notas à previsão da possibilidade, por um lado, de dispensa do procedimento de AIA de projectos (art. 3.º do D.L. 69/2000) e, por outro lado, de isenção de AIA de planos e programas (art. 4.º do D.L. 232/2007).
Quanto à dispensa, diga-se que ela só pode resultar da iniciativa do proponente e que não há uma desobrigação directa e imediatamente decorrente da aplicação da lei, sendo necessária a prática de um acto administrativo – despacho conjunto do Ministro do Ambiente e do Ministro da tutela -, pelo qual se exonere o proponente do cumprimento do dever legal de submeter o seu projecto a AIA. Diga-se, também, que a dispensa, em caso de deferimento, pode ser total ou parcial, isto é, pode ser dispensado todo o procedimento de AIA, ou apenas certa ou certas fases. VASCO PEREIRA DA SILVA parece ser de outra opinião no que toca à interpretação do que sejam “dispensas parciais”, já que, diz o Autor, “a expressão deve (…) ser interpretada no sentido de se referir aos casos em que a dispensa de procedimento vem acompanhada da indicação de medidas de minimização dos impactos ambientais, as quais devem ser decretadas pelas autoridades administrativas competentes para o licenciamento posterior (vide o art. 3.º, n.º 7, do D.L. n.º 69/2000, de 3 de Maio).” Relativamente ao que seja necessário, em termos materiais, para haver uma dispensa do procedimento de AIA, o art. 3.º, n.º 1 apenas exige circunstâncias excepcionais e devidamente fundamentadas. VASCO PEREIRA DA SILVA critica a “grande amplitude das margens de apreciação e de decisão, ou de discricionariedade”, que resultam, desta norma, para a Administração e, também, a falta de “uma maior «densificação» do conceito de excepcionalidade, estabelecendo critérios para a sua verificação.” Fica-se, assim, sem saber – nem sequer por referência a situações exemplificativas – que situações são efectivamente qualificáveis como excepcionais, nem se basta a sua mera verificação para que se encontre o fundamento exigido para a dispensa. VASCO PEREIRA DA SILVA, como outros Autores, levantam a dúvida de como é que se avaliam devidamente os impactes ambientais de um projecto apenas com base nos elementos que o proponente fornece com o seu pedido de dispensa, ou seja, a descrição do projecto e a mera indicação dos seus principais efeitos no ambiente? O mesmo autor responde a esta pergunta, dizendo que “se deveria exigir sempre ao proponente, pelo menos, a apresentação de um estudo de impacte ambiental (EIA), de modo a permitir à Administração estar em melhores condições de tomar uma decisão acertada, quer quanto à dispensa, quer quanto a eventuais medidas de salvaguarda ambiental.” Como último aspecto digno de registo, saliente-se a correcta solução adoptada em caso de inércia governamental, com a consagração do indeferimento tácito do pedido de dispensa, de acordo com o disposto no n.º 11 do art. 3.º. De outra forma não poderia ser, sob pena de serem postos em causa o próprio regime da AIA, os objectivos nele prosseguidos e os princípios que lhe presidem.
No que à isenção do art. 4.º do D.L. 232/2007 diz respeito, refira-se apenas que só os planos e programas em que se determine a utilização de pequenas áreas a nível local e pequenas alterações aos planos e programas indicados nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 3.º e que, cumulativamente, não sejam susceptíveis de produzir efeitos significativos no ambiente, podem deixar de ser objecto de avaliação ambiental.
Iniciar-se-á, seguidamente, a análise à estrutura orgânica do procedimento de AIA de projectos. No D.L. 69/2000, o legislador optou por, previamente à regulamentação do procedimento, indicar o conjunto das entidades nele intervenientes (art. 5.º) e descrever as competências aí cometidas a cada uma delas (arts. 6.º a 10.º). De acordo com o disposto nas várias alíneas do art. 5.º, temos as seguintes entidades intervenientes: a entidade licenciadora ou competente para a autorização, a quem cabe a decisão do procedimento licenciador ou autorizador (arts. 5.º, alínea a) e 6.º); a autoridade de AIA (arts. 5.º, alínea b) e 7.º), que tanto pode ser o Instituto do Ambiente (nos casos elencados na alínea a) do n.º 1 do art. 7.º), como as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), nos restantes casos, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.7.º; a Comissão de Avaliação (arts. 5.º, alínea c) e 9.º), órgão que realiza as tarefas técnicas da avaliação (quer em sede de definição do âmbito do EIA – alínea a) do n.º 5 do art. 9.º -, quer aquando da elaboração do parecer técnico final do procedimento de AIA – alínea e) do n.º 5 do art. 9.º) e que, precisamente, por força das suas funções, é nomeado caso a caso, sempre com um número ímpar de membros e uma composição diversa, de acordo com a natureza do projecto e das exigências concretas de avaliação que surjam em cada procedimento; a entidade coordenadora e de apoio técnico (arts. 5.º, alínea d) e 10.º), cujas competências são cometidas ao Instituto de Ambiente, como resulta do disposto no art. 10.º, n.º 1, e junto do qual é criado um Conselho Consultivo de AIA, nos termos do n.º 3 do art. 10.º; por fim, o Ministro do Ambiente que, apesar de não vir mencionado em nenhuma alínea do art. 5.º, é quem decide e quem profere a Declaração de Impacte Ambiental (doravante DIA), à luz do preceituado no art. 18.º, n.º 1.
Dissecar-se-á, agora, as várias fases do procedimento de AIA de projectos.
Relativamente ao procedimento de AIA de projectos, comece-se por dizer que o conteúdo, a adequação e a utilidade da decisão final do procedimento e, subsequentemente, a valia e a eficiência ambientais do acto de licenciamento ou de autorização do projecto estão directamente dependentes dos moldes em que estiver concebido e regulado este mesmo procedimento. Aquilo de imediato ressalta da análise do D.L. 69/2000 é, precisamente, o modo cuidado como foi pormenorizadamente delineado e previsto o procedimento de AIA de projectos, constatando-se que o legislador foi sensível à necessidade de apresentar uma regulamentação mais completa e mais densificada do procedimento, contemplando fases e trâmites procedimentais até agora omitidos ou insuficientemente tratados, quando comparado com a legislação que, anteriormente, disciplinava este procedimento.
Sinteticamente, o procedimento de AIA de projectos, actualmente, abrange as seguintes fases fundamentais: a definição do âmbito do EIA (fase facultativa); a apreciação técnica do EIA; a consulta institucional (solicitação de pareceres a entidades com competências na apreciação do projecto); a participação dos interessados; a elaboração do parecer técnico final; a emissão da proposta de declaração de impacte ambiental (DIA); e a emissão da DIA.
Neste trabalho, não nos iremos alongar demasiado com a descrição das diversas fases do procedimento, referindo tão-somente os aspectos que revestirem maior relevo.
Em primeiro lugar, irá examinar-se a fase da definição do âmbito do EIA. A introdução desta fase de “scopping” – prevista no art. 11.º do D.L. 69/2000 – constitui uma das mais importantes inovações deste regime jurídico da AIA de projectos e consubstancia a transposição do disposto no n.º 2 do art. 5.º da Directiva n.º 85/337/CEE, com a redacção dada pela Directiva n.º 97/11/CE. Trata-se de uma fase preliminar e facultativa do procedimento de AIA, que tem como primeiro objectivo a melhoria da qualidade técnica dos EIA, com correlativos efeitos ao nível da utilidade e da eficiência da AIA. Nesta altura, estamos ainda num momento procedimental anterior à elaboração do EIA, em que nem sequer o pedido de licenciamento ou de autorização do projecto foi apresentado, ou seja, estamos num momento em que ainda é possível redefinir opções, equacionar alternativas, proceder às alterações e correcções necessárias a que o EIA se traduza num instrumento apto à efectiva e cabal avaliação dos impactes ambientais do projecto. Refira-se que a definição, nestes moldes, do âmbito do EIA vincula tanto o proponente como a comissão de avaliação, quanto ao conteúdo do EIA a apresentar pelo primeiro, salvo a verificação, em momento posterior ao da deliberação, de circunstâncias que manifestamente a contrariem, como resulta do disposto no n.º 9 do art. 11.º.
Destarte a fase preliminar e facultativa supra mencionada, o procedimento de AIA tem início com a apresentação, pelo proponente, de um EIA à entidade licenciadora ou competente para a autorização, nos termos do n.º 1 do art. 12.º. No que ao conteúdo do EIA diz respeito, o D.L. 69/2000 desvia-se ligeiramente das Directivas Comunitárias que o inspiraram. Desvia-se, indo além do Direito Comunitário, ao exigir no EIA mais informação do que a exigida pelo Direito Europeu e desvia-se, ficando aquém do Direito Comunitário, ao permitir, num projecto concreto, a exclusão de um ou mais aspectos considerados como parte do conteúdo mínimo do EIA ao nível nacional. Concretizando, o EIA deve conter os elementos indicados nos nºs 3 e 4 do art. 12.º. Subsequentemente, o EIA e toda a documentação relevante para AIA são remetidos pela entidade licenciadora ou competente para a autorização à autoridade de AIA, de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 13.º, nomeando esta a comissão de avaliação, à qual submeterá o EIA para apreciação técnica (art. 13.º, n.º 3), devendo esta comissão pronunciar-se, no prazo de 30 dias a contar da recepção dos documentos acima indicados, sobre a conformidade do EIA com o estatuído no art. 12.º ou com a deliberação relativa à definição do âmbito do EIA, quando a esta tiver havido lugar. E de duas uma: se a decisão for de desconformidade do EIA, esta declaração determina o encerramento do processo de AIA (art. 13.º, n.º 8); se a decisão for de conformidade com o EIA, o procedimento prossegue, sendo enviado, para parecer, às entidades públicas com competências para a apreciação do projecto (art. 13.º, n.º 9), que terão de emitir os pareceres no prazo de 40 dias, sob pena de não serem tidos em conta se forem emitidos fora desse prazo, nos termos do n.º 10 do art. 13.º.
A partir daqui, à autoridade de AIA, dentro de um prazo de 15 dias a contar da declaração de conformidade do EIA, incumbe a publicitação do procedimento de AIA, através de um anúncio, que contenha os elementos indicados nas várias alíneas do n.º 1 do art. 14.º. Incumbe, também, à autoridade de AIA fixar o período da consulta pública, de acordo com os critérios do n.º 2 do art. 14.º e, finda a consulta pública, compete-lhe enviar ao presidente da comissão de avaliação, no prazo de 15 dias, o relatório da consulta pública, à luz do preceituado no n.º 5 do art. 14.º. Refira-se, ainda, que é nesta fase que se poderá exercer o direito de participação procedimental, como resulta do disposto no n.º 3 do art. 14.º, desde que se integre o conceito de público interessado, como definido na alínea r) do art. 2.º.
Avançando no procedimento, chegamos à fase do parecer técnico final, da responsabilidade da comissão de avaliação, que tem 25 dias contados da recepção do relatório da consulta pública, para o elaborar e remeter à autoridade de AIA, nos termos do n.º 1 do art. 16.º. Por sua vez, a autoridade de AIA tem outros 25 dias para remeter ao Ministro do Ambiente a sua proposta de DIA, de acordo com o disposto no n.º 2 do art. 16.º.
Por último, temos a decisão final do procedimento de AIA, agora apelidada de declaração de impacte ambiental (DIA), nos termos da alínea g) do art. 2.º, cuja emissão compete ao Ministro do Ambiente, no prazo de 15 dias contados a partir da data da recepção da proposta de DIA da autoridade de AIA (art. 18.º, n.º 1) e que pode ter vários desfechos possíveis, de acordo com o preceituado no n.º 1 do art. 17.º: pode ser total ou parcialmente favorável, já que, como refere VASCO PEREIRA DA SILVA, mesmo os actos favoráveis podem ser acompanhados da fixação de medidas de minimização do impacto ambiental; pode ser condicionalmente favorável, situação em que a DIA “…contém obrigatoriamente (…) as medidas de minimização dos impactes ambientais negativos que o proponente deve adoptar na execução do projecto” (art. 17.º, n.º 2); pode ser, por outro lado, desfavorável. Qualquer que seja o desfecho do procedimento de AIA, a DIA emitida tem de conter os elementos indicados nas quatro alíneas do n.º 1 do art. 17.º.
Para além destas hipóteses, o legislador estabelece ainda a possibilidade de o silêncio da Administração vir a dar origem a um deferimento tácito, de acordo com regras especiais em termos de prazo – presentes no art. 19.º -, pois este só se produz no termo do prazo de 140 dias, no caso de projectos constantes do anexo I, ou de 120 dias, no caso de projectos do anexo II. E esta não é a única situação em que o legislador previu o deferimento tácito, encontrando-se dois outros casos: um relativo à proposta de definição do âmbito do EIA (art.11.º, n.º 8) e outro respeitante às AIAs que decorreram na fase de estudo prévio ou de anteprojecto, sempre que a autoridade de AIA tenha ainda de apreciar a conformidade do projecto de execução com a DIA (art. 28.º, n.º 7). Nestes dois casos, é admissível a opção que o legislador fez. Já quanto ao deferimento tácito do art. 19.º, n.º 1, penso que é uma solução criticável, visto que é paradoxal prever o deferimento em caso de silêncio da entidade competente para a decisão de AIA num regime em que a decisão negativa é sempre vinculativa, como veremos mais à frente. Os próprios princípios da prevenção (que impõe que as actuações com efeitos no ambiente sejam sempre consideradas de forma antecipada, pondo o acento tónico na redução ou eliminação das causas, prioritariamente à correcção dos efeitos) e da precaução (determinante de uma inversão do ónus da prova em matéria de ambiente, no sentido designadamente de qualquer actuação potencialmente lesiva do ambiente não dever ser autorizada) apontam na direcção oposta, na direcção do indeferimento tácito.
Esqueça-se, por momentos, o instrumento de AIA de projectos, para fazer uma referência ao procedimento associado à Avaliação Ambiental Estratégica. Este é um procedimento bem mais breve e expedito em comparação com o procedimento de AIA de projectos supra analisado, o que não poderia deixar de ser atenta a sua função de análise das grandes opções, de obtenção de uma visão estratégica, como o próprio nomen juris da figura sugere.
Começa com a delimitação do âmbito da avaliação a realizar e com a determinação do alcance e nível de pormenorização da informação a incluir no relatório ambiental, competência da entidade responsável pela elaboração do plano ou do programa, devendo esta, à luz do art. 5.º, n.º3 do D.L. 232/2007, solicitar parecer sobre a mesma matéria às entidades às quais possam interessar os efeitos ambientais derivados da aplicação do plano ou programa, atendendo às suas responsabilidades ambientais específicas. Prossegue com a elaboração, pela mesma entidade, juntamente com o plano ou programa, de um relatório ambiental onde se identifica, descreve e avalia, por um lado, os efeitos significativos no ambiente do plano ou programa e, por outro, as alternativas razoáveis que possam existir e onde têm de constar obrigatoriamente os elementos mencionados no art. 6.º, n.º 1. Realiza-se uma consulta pública, levada a cabo pela entidade responsável pela elaboração do plano ou programa, que pode passar pela audição de quaisquer interessados que possam de algum modo ter interesse ou ser afectados pela aprovação do plano (art. 7.º, n.º 6), para além das entidades referidas no art. 7.º, nºs 1 e 2 e de eventual consulta de outros Estados-Membros da U.E., nas situações em que os efeitos significativos no ambiente se revelem transfronteiriços, nos termos do art. 8.º. E o procedimento termina com a decisão final por parte da entidade responsável pela elaboração do plano (arts. 9.º e 10.º). Pode-se então concluir que, na AAE, assistimos a uma concentração das competências decisórias na entidade aprovadora do plano ou programa, em oposição ao que vimos acontecer no procedimento de AIA de projectos.
Examinar-se-á, de seguida, qual a força jurídica da DIA. Sobre esta matéria, versa o art. 20.º. Do n.º 1 do mesmo preceito resulta, a contrario sensu, que uma DIA desfavorável terá de determinar, forçosamente, o indeferimento do pedido de licenciamento ou de autorização. Assim, da leitura conjugada dos arts. 17.º, n.º 1 e 20.º, n.º 1, conclui-se que a decisão desfavorável passará a ser vinculativa, na medida em que impossibilitará uma decisão positiva por parte da entidade licenciadora ou competente para a autorização. Mas só a decisão negativa é vinculativa, o mesmo não acontecendo caso ela seja favorável ou condicionalmente favorável. Deste modo, a decisão de AIA que, na perspectiva do licenciador, se apresenta como uma parecer, configura-se não como um parecer vinculativo mas como um parecer conforme favorável. Da qualificação da DIA como parecer discorda VASCO PEREIRA DA SILVA, já que, diz o Autor, a DIA é um acto administrativo que se integra numa relação jurídica duradoura e que resulta de um procedimento complexo, constituindo um pressuposto da prática de actos jurídicos posteriores, que ficam por este condicionados, quer no que respeita à sua existência, quer ao seu conteúdo (vide art. 20.º, nºs 1 e 2). Continua o mesmo Autor, dizendo que a DIA não é um mero acto opinativo, um simples parecer, mas sim uma decisão jurídica de ponderação de interesses, que procede a uma análise dos custos e dos benefícios de determinada actividade, em razão de critérios de índole ambiental.
Como consequência pelos actos praticados em desconformidade com a DIA, o n.º 3 do art. 20.º comina a sanção da nulidade, assegurando-se, desta forma, o respeito pela DIA e, consequentemente, a compatibilidade ambiental do projecto.
Quanto à força jurídica da decisão final da AIA de planos ou programas, em teoria, verifica-se o mesmo que acontece com a AIA de projectos, mas o facto de haver um “interesse” da entidade competente na aprovação do plano, sendo que é ela que “pondera” os resultados do relatório ambiental e das consultas realizadas, faz com que a AAE se traduza, na realidade, numa orientação geral para a tomada em conta dos valores ambientais na feitura dos planos, sem o carácter de vinculatividade que assume a AIA de projectos, não descurando, no entanto, que qualquer desconformidade do conteúdo do plano com as consultas realizadas deverá ser justificada na Declaração Ambiental, atento o disposto no art. 10.º.
Já numa fase posterior à fase decisória de ambas as figuras, a tomada em conta das consequências ambientais não cessa com a decisão final no procedimento incidental. Na AIA de projectos, fixa-se um sistema de pós-avaliação, com o objectivo de assegurar o cumprimento das condições prescritas na DIA e avaliar os impactos realmente ocorridos (arts. 27.º e seguintes), a ser dirigido pela autoridade de AIA. Quanto à AIA de planos e programas, estipula-se, no art. 11.º, que a entidade que aprova o plano deve avaliar e controlar os efeitos significativos no ambiente decorrentes da sua aplicação e execução, verificando a adopção das medidas previstas na declaração ambiental, a fim de identificar atempadamente e corrigir os efeitos negativos imprevistos.
Em jeito de conclusão, diga-se que vigora uma relação de complementaridade entre a AIA de planos e a AIA de projectos. Esta complementaridade é espelhada de forma visível no art. 13.º do D.L. 232/2007. Nos termos do n.º 1, deve ocorrer, simultaneamente, a AIA dos projectos sujeitos a impacto ambiental que sejam enquadrados, de forma detalhada, num plano ou programa, e a AIA do respectivo plano ou programa. Ainda no que toca a estes projectos que sejam previstos de forma suficientemente detalhada num plano ou programa, determinam os nºs 2 a 4 que os resultados da AIA deste programa devem ser levados em conta aquando da elaboração do EIA em relação àqueles projectos e na DIA emitida no mesmo procedimento

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