segunda-feira, 7 de maio de 2012

A Avaliação de Impacto Ambiental e o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14.3.1995


O presente comentário trata da matéria referente ao procedimento administrativo de avaliação de impacto ambiental, que vem regulado pelo D.L. nº 69/2000, de 3 de Maio. 

Este procedimento, conforme o nome indica, tem como finalidade aferir em concreto quais as consequências de um determinado projecto, analisando sob o prisma ecológico, todas as vantagens e desvantagens, que da sua efectiva realização poderão advir para o ambiente. Trata-se, nas palavras de VASCO PEREIRA DA SILVA “de um meio jurídico ao serviço da realização dos fins ambientais, e em particular do princípio da prevenção”. Trazer à colação este princípio parece-nos acertada, uma vez que a avaliação de impacto ambiental permite acautelar bens jurídicos que sem esse estudo poderiam vir a sofrer danos irreversíveis, colocando em risco o desenvolvimento sustentável e o aproveitamento racional dos recursos disponíveis.

Do ponto de vista formal é um procedimento administrativo específico, pela sua relação com outros procedimentos, que terão de o ter em conta em futuras actuações, designadamente, de licenciamento da actividade em estudo. A decisão que deste procedimento resulta é vinculativa para um futuro acto de licenciamento ou autorização de projecto sujeito a AIA, em dois sentidos: por um lado é condição de existência, uma vez que tal acto posterior só pode ser praticado após notificação da respectiva DIA (se for favorável ou condicionalmente favorável); por outro é condição de conteúdo, tornando-se parâmetro regulador, compreendo as exigências e condições prescritas na DIA. Trata-se assim de “um acto administrativo que se integra numa relação jurídica duradoura, e que resulta de um procedimento complexo, constituindo um pressuposto da prática de actos jurídicos posteriores”, salienta VASCO PEREIRA DA SILVA.

Analisando a força jurídica da decisão de impacto ambiental, podem-se adiantar três hipóteses: a decisão ser favorável; a decisão ser condicionalmente favorável; e a decisão ser desfavorável. Se quanto a esta última não parecem haver dúvidas que uma posterior autorização de actividade seria nula, em virtude de os prejuízos ecológicos serem incomportavelmente superiores aos benefícios daí decorrentes, já quanto à decisão favorável é necessário salientar que esta decisão não corresponde a um igual dever de licenciamento do projecto, uma vez que é necessária a ponderação de outros valores (económicos e sociais). Igual se diga para a decisão condicionalmente favorável, com a nuance de esta ter que incorporar medidas auxiliares tendo em vista a redução do seu impacto, que o acto permissivo terá que acolher, sob pena de nulidade. 

Em suma, a AIA, apesar de formalmente se encontrar num momento prévio à realização de qualquer intervenção no ambiente, projecta os seus efeitos materiais para o futuro, advertindo a administração para as consequências que o projecto em estudo poderá repercutir no ambiente se for concedida a sua autorização. Autorização que não é obrigatória, mesmo em caso de DIA favorável ao particular, havendo ainda que levar a cabo um juízo de proporcionalidade, contrabalançando os prós e os contras desse projecto, envolvendo aí todos os valores em jogo e não apenas o ambiental. 

Analisando agora Acórdão do STA de 14.3.1995, que versa precisamente sob a matéria em estudo, verificamos que a Liga para a Protecção da Natureza recorreu contenciosamente da deliberação do Conselho de Ministros que aprovou a localização da nova ponte sobre o Tejo, invocando, entre outros argumentos que agora aqui não interessam, a violação dos artigos 3º, nºs 1 e 3 do D.L. nº 186/90 (actual D.L. nº69/2000) por não ter sujeitado tal deliberação de localização a um estudo de impacto ambiental, que na sua óptica seria obrigatório. A entidade recorrida alega, contudo, que o respectivo procedimento administrativo não se aplica ao caso sob Júdice, isto é, à aprovação da localização da nova ponte sobre o Tejo, quer por o Anexo I e o Anexo III do D.L nº 186/90, que enumera os projectos sujeitos a um processo prévio de avaliação de impacto ambiental, não referir qualquer tipo de pontes ou infra-estruturas similares, quer por o procedimento em questão ter por objecto projectos de construção e não a sua localização. O parecer do Ministério Público refere, que apesar de ser inegável que a construção da nova ponte sobre o Tejo deve ser submetida a um estudo de impacto ambiental, decorrendo do diploma em apreço essa imposição, uma vez que a ponte sobre o Tejo estaria inserida numa via rápida ou auto-estrada não podendo nunca neste caso ser uma infra-estrutura isolada, que no caso sob judice não estávamos perante a autorização da realização das obras, estando apenas em causa a localização da mesma, decidida por deliberação tomada em Conselho de Ministros. A decisão do STA acabou por negar provimento ao recurso acolhendo em parte a decisão do parecer do Ministério Público, referindo que o art. 1º nºs 1 e 2 alínea a) não se encontram preenchidos, o mesmo acontecendo com o art. 2º, que estabelece que a aprovação de projectos, entenda-se, a decisão da autoridade competente que confere ao dono da obra o direito de realizar a obra, fica sujeito a um processo prévio de avaliação de impacto ambiental, como formalidade essencial. A não observância deste procedimento não encerra nenhuma violação de formalidade essencial, devido ao facto do acto administrativo aqui impugnado ser a deliberação de localização da nova ponte, e não a autorização de realização de obra como consagra o referido art. 2º. O STA acaba por concluir que “a escolha do local e a aprovação dos projectos são realidades distintas que como tal têm os seus momentos próprios de apreciação” e que no caso em apreço o que está em causa é a fase de aprovação da localização das obras e não a fase da concepção da construção da obra. 

Ora, o que esteve em discussão no arresto supra explanado levanta problemas essencialmente ao nível do âmbito de aplicação do procedimento de avaliação de impacto ambiental. Este âmbito de aplicação era delimitado pelos arts. 1º e 2º e Anexo I do D.L. nº 186/90 estando por sua vez agora definido no art. 1º e nos Anexos I e II do D.L. nº 69/2000. Pese embora algumas alterações efectuadas, parece-me que a decisão do STA ao abrigo do então diploma em vigor não se alteraria se o mérito da causa fosse avaliado nos dias de hoje, já com o novo Decreto-Lei em vigência. A razão desta minha conclusão deve-se ao facto de mais uma vez, neste novo diploma, no art. 2º alínea d), se falar em autorização que “confere ao proponente o direito de realizar o projecto”, o que parece deixar de fora todas as deliberações ou decisões que apenas contemplem a localização futura de determinado projecto. 

A questão que se impõe é saber se esta aparente exclusão, dizemos aparente por não querermos cometer nenhum erro de avaliação em face da nova legislação sobre o procedimento de avaliação de impacto ambiental, se encontra justificada? Para responder a esta questão, colocar-me-ei na posição de humilde jurisconsulto, emitindo parecer, a pedido da Liga para a Conservação da Natureza (não querendo com isto vincular a opinião pessoal ao aduzido de seguida).

Parecer:

Não querendo retirar mérito à decisão proferida pelo STA, uma vez que de iure condito se encontra acertada, de iure condendo poder-se-iam tecer alguns argumentos para sujeitar as deliberações sobre a localização de um futuro projecto a um estudo de impacto ambiental. Se a argumentação do STA foi no sentido de considerar que são duas fases distintas, e que portanto, a localização per si não justifica o desencadeamento do procedimento, parece-nos que deixar de fora do seu âmbito um aspecto tão relevante como o é a localização do empreendimento, pode ter um efeito nada condizente com os objectivos prosseguidos pelo Estado. Basta imaginar a situação de uma deliberação que estabeleça que determinada infra-estrutura de grandes dimensões terá lugar numa zona protegida, numa zona imprópria para esse tipo de construções, ou ainda numa zona onde se encontrem espécies animais em vias de extinção de grande importância. Não sujeitar tal deliberação a um prévio estudo de avaliação de impacto ambiental, sabendo ou desconfiando que com elevada probabilidade essa localização, por ser visivelmente descabida e prejudicial para o meio ambiente, num momento posterior (o da autorização da realização das obras) será sujeita a esse estudo e que terá uma decisão desfavorável, é agir em desconformidade com o princípio da economia processual e da boa administração, e em última instância, no caso em que por algum motivo ou não se sujeitasse tal empreendimento a AIA ou a DIA fosse favorável, na hipótese de se alegar que os interesses sociais e económicos seriam superiores, a uma violação do disposto no art. 66º nº 2 alínea b) onde se refere “ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correcta localização das actividades’’. Pense-se no exemplo, extremo, dessas deliberações sobre a localização de determinados empreendimentos, serem tomadas de má fé, servindo única e exclusivamente os interesses particulares de quem as tomasse. Seria o exemplo de uma deliberação que definisse a localização de determinada infra-estrutura para uma área ou zona, onde o interesse em construir essa mesma estrutura fosse inexistente, tendo como propósito a valorização dos terrenos circundantes. A hipótese de considerar à partida, a elaboração de uma avaliação de impacto ambiental, no momento inicial da escolha da localização de um futuro projecto, iria ainda obviar aos constantes milhares de euros gastos em estudos feitos pelo Estado que acabam por receber DIA’s desfavoráveis. Poder-se-á, contudo, invocar que o momento em que esse estudo de impacto ambiental é feito não acarreta um prejuízo para os cofres do Estado, visto que a DIA a ser desfavorável, tanto o é antes da deliberação de localização como depois, pelo que terá sempre de se elaborar um novo estudo. No entanto, parece-nos que sujeitar a decisão sobre a futura localização de uma obra a AIA impediria ou pelo menos desincentivaria a Administração e o Governo de actuarem em desconformidade com os princípios da boa gestão do erário público, possibilitando aos particulares a certeza de que nenhuma decisão seria tomada desnecessariamente e que nenhum interesse a não ser o público, seria prosseguido. Também do ponto de vista da administração da justiça se pode avocar o argumento de que submeter a localização de um empreendimento a AIA evitaria sobrecarregar os Tribunais com processos como o referido supra, uma vez que o processo de licenciamento de determinada actividade correria conforme desde a sua fase inicial. 

Flávio Massano nº 18137

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