O presente comentário trata da
matéria referente ao procedimento administrativo de avaliação de impacto
ambiental, que vem regulado pelo D.L. nº 69/2000, de 3 de Maio.
Este procedimento, conforme o
nome indica, tem como finalidade aferir em concreto quais as consequências de
um determinado projecto, analisando sob o prisma ecológico, todas as vantagens e
desvantagens, que da sua efectiva realização poderão advir para o ambiente.
Trata-se, nas palavras de VASCO PEREIRA DA SILVA “de um meio jurídico ao
serviço da realização dos fins ambientais, e em particular do princípio da
prevenção”. Trazer à colação este princípio parece-nos acertada, uma vez que a
avaliação de impacto ambiental permite acautelar bens jurídicos que sem esse
estudo poderiam vir a sofrer danos irreversíveis, colocando em risco o
desenvolvimento sustentável e o aproveitamento racional dos recursos disponíveis.
Do ponto de vista formal é um procedimento
administrativo específico, pela sua relação com outros procedimentos, que terão
de o ter em conta em futuras actuações, designadamente, de licenciamento da
actividade em estudo. A decisão que deste procedimento resulta é vinculativa
para um futuro acto de licenciamento ou autorização de projecto sujeito a AIA,
em dois sentidos: por um lado é condição de existência, uma vez que tal acto
posterior só pode ser praticado após notificação da respectiva DIA (se for
favorável ou condicionalmente favorável); por outro é condição de conteúdo, tornando-se
parâmetro regulador, compreendo as exigências e condições prescritas na DIA. Trata-se
assim de “um acto administrativo que se integra numa relação jurídica
duradoura, e que resulta de um procedimento complexo, constituindo um
pressuposto da prática de actos jurídicos posteriores”, salienta VASCO PEREIRA
DA SILVA.
Analisando a força jurídica da
decisão de impacto ambiental, podem-se adiantar três hipóteses: a decisão ser
favorável; a decisão ser condicionalmente favorável; e a decisão ser desfavorável.
Se quanto a esta última não parecem haver dúvidas que uma posterior autorização
de actividade seria nula, em virtude de os prejuízos ecológicos serem incomportavelmente
superiores aos benefícios daí decorrentes, já quanto à decisão favorável é
necessário salientar que esta decisão não corresponde a um igual dever de
licenciamento do projecto, uma vez que é necessária a ponderação de outros
valores (económicos e sociais). Igual se diga para a decisão condicionalmente favorável,
com a nuance de esta ter que incorporar medidas auxiliares tendo em vista a
redução do seu impacto, que o acto permissivo terá que acolher, sob pena de
nulidade.
Em suma, a AIA, apesar de
formalmente se encontrar num momento prévio à realização de qualquer
intervenção no ambiente, projecta os seus efeitos materiais para o futuro,
advertindo a administração para as consequências que o projecto em estudo poderá
repercutir no ambiente se for concedida a sua autorização. Autorização que não
é obrigatória, mesmo em caso de DIA favorável ao particular, havendo ainda que
levar a cabo um juízo de proporcionalidade, contrabalançando os prós e os contras
desse projecto, envolvendo aí todos os valores em jogo e não apenas o
ambiental.
Analisando agora Acórdão do STA
de 14.3.1995, que versa precisamente sob a matéria em estudo, verificamos que a
Liga para a Protecção da Natureza recorreu contenciosamente da deliberação do
Conselho de Ministros que aprovou a localização da nova ponte sobre o Tejo,
invocando, entre outros argumentos que agora aqui não interessam, a violação
dos artigos 3º, nºs 1 e 3 do D.L. nº 186/90 (actual D.L. nº69/2000) por não ter
sujeitado tal deliberação de localização a um estudo de impacto ambiental, que
na sua óptica seria obrigatório. A entidade recorrida alega, contudo, que o
respectivo procedimento administrativo não se aplica ao caso sob Júdice, isto
é, à aprovação da localização da nova ponte sobre o Tejo, quer por o Anexo I e
o Anexo III do D.L nº 186/90, que enumera os projectos sujeitos a um processo
prévio de avaliação de impacto ambiental, não referir qualquer tipo de pontes
ou infra-estruturas similares, quer por o procedimento em questão ter por
objecto projectos de construção e não a sua localização. O parecer do
Ministério Público refere, que apesar de ser inegável que a construção da nova
ponte sobre o Tejo deve ser submetida a um estudo de impacto ambiental, decorrendo
do diploma em apreço essa imposição, uma vez que a ponte sobre o Tejo estaria
inserida numa via rápida ou auto-estrada não podendo nunca neste caso ser uma infra-estrutura
isolada, que no caso sob judice não estávamos perante a autorização da
realização das obras, estando apenas em causa a localização da mesma, decidida
por deliberação tomada em Conselho de Ministros. A decisão do STA acabou por
negar provimento ao recurso acolhendo em parte a decisão do parecer do
Ministério Público, referindo que o art. 1º nºs 1 e 2 alínea a) não se
encontram preenchidos, o mesmo acontecendo com o art. 2º, que estabelece que a
aprovação de projectos, entenda-se, a decisão da autoridade competente que
confere ao dono da obra o direito de realizar a obra, fica sujeito a um
processo prévio de avaliação de impacto ambiental, como formalidade essencial. A
não observância deste procedimento não encerra nenhuma violação de formalidade
essencial, devido ao facto do acto administrativo aqui impugnado ser a
deliberação de localização da nova ponte, e não a autorização de realização de
obra como consagra o referido art. 2º. O STA acaba por concluir que “a escolha
do local e a aprovação dos projectos são realidades distintas que como tal têm
os seus momentos próprios de apreciação” e que no caso em apreço o que está em
causa é a fase de aprovação da localização das obras e não a fase da concepção
da construção da obra.
Ora, o que esteve em discussão no
arresto supra explanado levanta problemas essencialmente ao nível do âmbito de
aplicação do procedimento de avaliação de impacto ambiental. Este âmbito de
aplicação era delimitado pelos arts. 1º e 2º e Anexo I do D.L. nº 186/90
estando por sua vez agora definido no art. 1º e nos Anexos I e II do D.L. nº
69/2000. Pese embora algumas alterações efectuadas, parece-me que a decisão do
STA ao abrigo do então diploma em vigor não se alteraria se o mérito da causa
fosse avaliado nos dias de hoje, já com o novo Decreto-Lei em vigência. A razão
desta minha conclusão deve-se ao facto de mais uma vez, neste novo diploma, no
art. 2º alínea d), se falar em autorização que “confere ao proponente o direito
de realizar o projecto”, o que parece deixar de fora todas as deliberações ou
decisões que apenas contemplem a localização futura de determinado projecto.
A questão que se impõe é saber se esta aparente exclusão, dizemos
aparente por não querermos cometer nenhum erro de avaliação em face da nova
legislação sobre o procedimento de avaliação de impacto ambiental, se encontra
justificada? Para responder a esta questão, colocar-me-ei na posição de humilde
jurisconsulto, emitindo parecer, a pedido da Liga para a Conservação da
Natureza (não querendo com isto vincular a opinião pessoal ao aduzido de
seguida).
Parecer:
Não querendo retirar mérito à
decisão proferida pelo STA, uma vez que de iure
condito se encontra acertada, de iure
condendo poder-se-iam tecer alguns argumentos para sujeitar as deliberações
sobre a localização de um futuro projecto a um estudo de impacto ambiental. Se
a argumentação do STA foi no sentido de considerar que são duas fases distintas,
e que portanto, a localização per si não justifica o desencadeamento do
procedimento, parece-nos que deixar de fora do seu âmbito um aspecto tão
relevante como o é a localização do empreendimento, pode ter um efeito nada
condizente com os objectivos prosseguidos pelo Estado. Basta imaginar a
situação de uma deliberação que estabeleça que determinada infra-estrutura de
grandes dimensões terá lugar numa zona protegida, numa zona imprópria para esse
tipo de construções, ou ainda numa zona onde se encontrem espécies animais em
vias de extinção de grande importância. Não sujeitar tal deliberação a um
prévio estudo de avaliação de impacto ambiental, sabendo ou desconfiando que com
elevada probabilidade essa localização, por ser visivelmente descabida e
prejudicial para o meio ambiente, num momento posterior (o da autorização da
realização das obras) será sujeita a esse estudo e que terá uma decisão desfavorável,
é agir em desconformidade com o princípio da economia processual e da boa
administração, e em última instância, no caso em que por algum motivo ou não se
sujeitasse tal empreendimento a AIA ou a DIA fosse favorável, na hipótese de se
alegar que os interesses sociais e económicos seriam superiores, a uma violação
do disposto no art. 66º nº 2 alínea b) onde se refere “ordenar e promover o
ordenamento do território, tendo em vista uma correcta localização das
actividades’’. Pense-se no exemplo, extremo, dessas deliberações sobre a
localização de determinados empreendimentos, serem tomadas de má fé, servindo única
e exclusivamente os interesses particulares de quem as tomasse. Seria o exemplo
de uma deliberação que definisse a localização de determinada infra-estrutura
para uma área ou zona, onde o interesse em construir essa mesma estrutura fosse
inexistente, tendo como propósito a valorização dos terrenos circundantes. A hipótese
de considerar à partida, a elaboração de uma avaliação de impacto ambiental, no
momento inicial da escolha da localização de um futuro projecto, iria ainda obviar
aos constantes milhares de euros gastos em estudos feitos pelo Estado que
acabam por receber DIA’s desfavoráveis. Poder-se-á, contudo, invocar que o
momento em que esse estudo de impacto ambiental é feito não acarreta um prejuízo
para os cofres do Estado, visto que a DIA a ser desfavorável, tanto o é antes
da deliberação de localização como depois, pelo que terá sempre de se elaborar
um novo estudo. No entanto, parece-nos que sujeitar a decisão sobre a futura
localização de uma obra a AIA impediria ou pelo menos desincentivaria a Administração
e o Governo de actuarem em desconformidade com os princípios da boa gestão do
erário público, possibilitando aos particulares a certeza de que nenhuma
decisão seria tomada desnecessariamente e que nenhum interesse a não ser o
público, seria prosseguido. Também do ponto de vista da administração da
justiça se pode avocar o argumento de que submeter a localização de um
empreendimento a AIA evitaria sobrecarregar os Tribunais com processos como o
referido supra, uma vez que o processo de licenciamento de determinada actividade
correria conforme desde a sua fase inicial.
Flávio Massano nº 18137
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