domingo, 20 de maio de 2012

Criminalização de condutas susceptíveis de afectar o meio aombiente

As seguintes propostas foram feitas pelo CENTRO DE INVESTIGAÇÃO JURÍDICO-ECONÓMICO DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DO PORTO (FDUP) e da QUERCUS, para introduzir alterações de fundo decisivas no capítulo ambiental, em matéria de direito penal.

Artigo 278.º  - Danos contra a natureza
O texto ainda em vigor:

1 – Quem, não observando disposições legais ou regulamentares, eliminar exemplares de fauna ou flora ou destruir habitat natural ou esgotar recursos do subsolo, de forma grave, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 600 dias.
2 – Para os efeitos do número anterior o agente actua, de forma greve quando:
a) Fizer desaparecer ou contribuir decisivamente para fazer desaparecer uma ou mais espécies animais ou vegetais de certa região;
b) Da destruição resultarem perdas importantes nas populações de espécies de fauna ou flora selvagens legalmente protegidas;
c) Esgotar ou impedir a renovação de um recurso do subsolo em toda uma área regional.
3 – Se a conduta referida no n.º 1 for praticada por negligência, o agente é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa.

Artigo 278.º - Danos contra a natureza

Proposta da Unidade de Missão para a Reforma Penal (UMRP):
1 - Quem, não observando disposições legais, regulamentares ou constantes de tratado ou convenção internacional, ou obrigações impostas pela autoridade competente em conformidade com aquelas disposições:
a) Eliminar exemplares de fauna ou flora em número significativo ou de espécie protegida ou ameaçada de extinção;
b) Destruir habitat natural;
c) Afectar gravemente recursos do subsolo;
é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 600 dias.
2 – (anterior n.º 3)
3 – (revogado)

(Tivemos conhecimento durante o Seminário que foi acrescentada uma alínea que prevê a incriminação do tráfico de espécies protegidas/exóticas em território nacional e com a qual concordamos. Como não tivemos acesso ao texto da UMRP, ele não está aqui incluído)

Artigo 278.º - Danos contra a natureza

Proposta/Conclusões do Seminário

a) Eliminar exemplares de fauna ou flora em número significativo ou de espécie protegida ou ameaçada de extinção; (proposta UMRP)

Relativamente à alínea a) levanta-se a questão de se incluírem todas as espécies protegidas, não se fazendo qualquer referência aos diferentes estatutos de conservação.
Os critérios que atribuem diferentes estatutos de conservação às espécies estão devidamente estudados e experimentados a nível internacional, têm normalmente como fundamento a sua raridade a nível nacional ou internacional/europeu, ou ainda o seu carácter endémico. Felizmente, embora a lista das espécies ameaçadas seja longa, existem muitas outras espécies protegidas que são comuns ou até mesmo abundantes, estando classificadas como Nam (não ameaçadas). Assim, em nosso entender, para as espécies protegidas não ameaçadas só se justificaria uma incriminação no caso de uma eliminação de exemplares significativa, o que não acontece no actual texto, uma vez que esta situação está prevista para qualquer tipo de fauna ou flora, protegida ou não. Para nós, será mesmo contraproducente a sua inclusão dentro de uma moldura penal, uma vez que o direito contra-ordenacional parece-nos garantir a protecção do bem jurídico.
A título meramente exemplificativo, é nossa opinião que, na eventualidade do texto proposto pela UMRP ser aprovado, poderão surgir situações em que um caso de eliminação de uma única Andorinha dos beirais (estimando-se a população portuguesa em um milhão de casais) terá a mesma incriminação que a eliminação de uma Águia Pesqueira (em Portugal conta apenas com um único casal nidificante).
Aliás, se as normas legais que atribuem os diferentes estatutos de conservação às espécies são já usadas de forma acessória no nº 1 do texto proposto pela UMRP, julgamos fazer toda a lógica que os critérios que presidem à classificação das espécies de fauna e flora nestas normas administrativas sejam os mesmos que a lei penal utiliza, competindo, como é evidente, a esta definir entre estes quais serão aqueles estatutos a que é atribuída relevância penal e de que forma e em que circunstâncias isso pode acontecer.
Entre estes estatutos, em nossa opinião, aqueles que deveriam ter relevância penal são os seguintes:
Espécie Vulnerável – (VU)
Espécie em Perigo – (EN)
Espécie Criticamente em Perigo – (CR)

A estas espécies dever-se-iam juntar, não só as espécies prioritárias do Decreto-Lei n.º 140/99, de 24 de Abril (uma vez que existem algumas espécies que, embora sejam comuns em Portugal, a nível europeu estão ameaçadas), mas também todas aquelas espécies endémicas de Portugal.
Portanto, em nosso entender os factos que deveriam fazer funcionar a incriminação do artigo 278.º a) deveriam ser os seguintes:

• A eliminação de espécies protegidas de fauna e flora em número significativo.

• A eliminação de um ou mais exemplares de espécies vulneráveis, em perigo, criticamente em perigo, prioritárias ou endémicas.

b) Destruir habitat natural; (proposta UMRP)

Na alínea b) o problema levantado reside na própria definição do conceito de habitat, bem como no seu carácter genérico e indeterminado, tratando-se também por igual todo e qualquer tipo de habitat. Neste sentido, seguindo a mesma lógica da proposta da alínea a) e dado o carácter de ultima ratio do Direito Penal, parece-nos que este só deverá intervir naqueles casos mais gravosos, que facilmente se poderão aferir usando toda a legislação referida no proémio do artigo, servindo esta, designadamente, para qualificar os habitats como classificados ou prioritários.
Portanto, em nosso entender os factos que deveriam fazer funcionar a incriminação do artigo 278.º b) deveriam ser os seguintes:

• A destruição de habitats naturais prioritários ou classificados.

c) Afectar gravemente recursos do subsolo; (proposta UMRP)

Mais uma vez esta alínea peca por diminuta clareza, reduzida concretização e, ainda, em nosso entender, uma imprecisão, a saber, quando o texto se refere ao subsolo, refere-se apenas à fina camada de solo da crusta terrestre que não tem rocha. Todas as rochas à superfície, ou não, estão portanto excluídas. O que não nos parece que seja a mens legislatoris, ou o objectivo da proposta da UMRP. Pelo que, e depois de consultarmos os peritos nestas matérias, os quais também foram questionados quanto às condutas mais gravosas para a crusta terrestre, nos permitimos formular a seguinte proposta no que se refere aos factos que deveriam fazer funcionar a incriminação do artigo 278.º c):

• A destruição ou contaminação, com carácter irreversível ou de longa duração de zonas de recargas de aquíferos, aquíferos, geomonumentos e zonas geologicamente activas de evidente risco geológico.

Outra conduta que devia ser alvo de incriminação deveria ser a introdução de espécies exóticas no habitat, uma vez que ela é profundamente perturbadora do equilíbrio dos ecossistemas, sugerindo para tal a criação de uma nova alínea:

A introdução de espécies exóticas no habitat


 CONCLUINDO, QUANTO AO ARTIGO 278.º e face ao exposto, permitimo-nos sugerir a seguinte formulação de texto legal:




Artigo 278.º

1 - (…)

a) Eliminar exemplares de fauna ou flora protegidas em número significativo;

b) Eliminar um ou mais exemplares de espécies ameaçadas ou endémicas;

c) Destruir habitat natural prioritário ou classificado;

d) Destruir ou contaminar, com carácter irreversível ou de longa duração, zonas de recargas de aquíferos, aquíferos, geomonumentos e zonas geologicamente activas de evidente risco geológico;

e) Introduzir espécies exóticas no habitat;

é punido(…)

2 - Entende-se por espécies ameaçadas as que possuem os estatutos de Espécie Vulnerável, Espécie em Perigo, Espécie Criticamente em Perigo ou Prioritária.

3 - (…)

Artigo 279.º - Crime de Poluição

O texto ainda em vigor:

1 – Quem, em medida inadmissível:
a) Poluir águas ou solos ou, por qualquer forma, degradar as suas qualidades;
b) Poluir o ar mediante utilização de aparelhos técnicos ou de instalações; ou
c) Provocar poluição sonora mediante utilização de aparelhos técnicos ou de instalações, em especial de máquinas ou de veículos terrestres, fluviais, marítimos ou aéreos de qualquer natureza;
é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 600 dias.
2- Se a conduta referida no n.º 1 for praticada por negligência, o agente é punido com punido com pena de prisão até 1 ano de prisão ou com pena de multa.
3 – A poluição ocorre em medida inadmissível sempre que a natureza ou os valores da emissão ou da imissão poluentes contrariarem prescrições ou limitações impostas pela autoridade competente em conformidade com disposições legais ou regulamentares e sob cominação de aplicação das penas previstas neste artigo.
Artigo 279.º  - Crime de Poluição

Proposta da Unidade de Missão para a Reforma Penal (UMRP):

1 — Quem, não observando disposições legais, regulamentares ou constantes de tratado ou convenção internacional, ou obrigações impostas pela autoridade competente em conformidade com aquelas disposições:
a) (…)
b) (…)
c) (…)
de forma grave, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 600 dias.
2 – (…)
3 — Para os efeitos dos números anteriores, o agente actua de forma grave quando:
a) Prejudicar, de modo duradouro, o bem-estar das pessoas na fruição da natureza;
b) Impedir, de modo duradouro, a utilização de recurso natural; ou
c) Criar o perigo de disseminação de microorganismo ou substância prejudicial para o corpo ou saúde das pessoas.


Artigo 279.º - Crime de Poluição

Proposta/Conclusões do Seminário

Mais uma vez é na concretização dos «elementos essenciais», que nos parece falhar esta proposta.
A concretização da medida, do alcance ou de qual o entendimento do que será a “forma grave” é que irá ditar quais as circunstâncias em que as condutas sancionadas nos normativos legais elencados no número 1 poderão ser consideradas como crime.  
Qual o conceito de “modo duradouro” e de “ bem-estar das pessoas na fruição da natureza”?
Uma das novidades do texto legal proposto pela UMRP é o ressurgir do conceito da saúde, corpo e bem-estar das pessoas como bitola para aferição da “forma grave”. Acontece que a utilização das consequências que os danos no ambiente podem provocar directamente no homem está já prevista no texto do artigo 280.º, não configurando um crime ecológico puro, uma vez que o ambiente é tutelado de uma forma mediata. Só haverá crime se a conduta poluidora do agente for perigosa para bens pessoais ou patrimoniais especialmente relevantes para o homem.
Parece-nos que esta opção da UMRP teve por base o falhanço total da norma ainda em vigor que optou por encarar o ambiente como merecedor de uma protecção autónoma.
Em nossa opinião não foram esgotados todos os caminhos e possibilidades para se lograr construir um conceito jurídico-penal em que o ambiente seja tratado como bem jurídico per si, tal como decorre da Lei de Bases do Ambiente. Saliente-se também que, ao proteger os sistemas naturais e os componentes que o integram, mediatamente estaremos a proteger os indivíduos, presentes e futuros.
 Defendemos, portanto, que a visão ecocêntrica da norma penal de 1995 deveria ser mantida, apostando-se na inclusão dos «elementos essenciais» que permitam tornar a norma aplicável.

 
CONCLUINDO, QUANTO AO ARTIGO 279.º e face ao exposto, permitimo-nos sugerir a seguinte formulação de texto legal:






Artigo 279.º

1 – (…)
a) Poluir águas interiores ou marinhas, a crusta terrestre ou, por qualquer forma, degradar as suas qualidades;

b) (…)
c) (…)
de forma grave, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 600 dias.
2 – (…)

3 – Para os efeitos dos números anteriores, o agente actua de forma grave quando, poluindo de uma forma continuada ou pontual, provoque ou crie perigo de provocar:

a) Uma forte redução de biodiversidade a nível local;

b) Uma forte redução dos efectivos populacionais, fazendo perigar a sua existência localmente;

c) Uma alteração dos factores abióticos do meio, pondo em causa a capacidade de regeneração do sistema ecológico local;

d) Disseminação de microorganismo ou substância prejudicial para o corpo ou saúde das pessoas.

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