A destrinça
entre estes dois conceitos radica no conceito central de dano, devendo
atender-se a que só em função do prejuízo jurídico se pode determinar quando,
por quem e sob que pressupostos os danos devem ser reparados e qual o princípio
que deve presidir à sua imputação.
Em primeira
análise, cabe ter presente o facto de a sociedade se caracterizar por ser uma
grande geradora de impactos ambientais e que, devido à evolução industrial e
tecnológica a previsibilidade dos danos se torna cada vez menor.
Por isso, e
porque o próprio ordenamento jurídico, no artº 66º da CRP, entende o direito ao
Ambiente enquanto direito fundamental, se demonstra o interesse em garantir uma
qualidade de vida sã e equilibrada. Autores há que concluem que o Direito ao
Ambiente tem uma componente individual, colectiva e fundamental, o que é
reforçado pela consagração na nossa Constituição da protecção da dignidade da
pessoa humana. E é, em suma, daqui que resulta a relevância da efectiva
responsabilização objectiva pela produção de danos ambientais, da mesma forma
que se revela a importância da consciencialização ambiental, efectivando e
aplicando os princípios do Direito do Ambiente, cabendo-lhe a criação de
instrumentos jurídicos que satisfaçam o complexo de incertezas que o compõem,
determinando as consequências das actividades de alto risco bem como de
controlo e regulação das grandes tecnologias.
Este controlo é
alcançado através da responsabilidade civil, onde os riscos e os danos
ecológicos são assimilados por meios juridicamente protegidos. E daqui partimos
para a extrema relevância com que nos deparamos da real separação entre os
conceitos de dano ecológico e de dano ambiental, ou se pelo contrário, como
VASCO PEREIRA DA SILVA, se deve entender que “a
adopção de uma noção ampla objectiva de “dano ambiental” põe em causa a
distinção doutrinária entre “dano ambiental” e “dano ecológico”, alargando o
primeiro de modo a abarcar também o segundo”, demonstrando-se que é extremamente
difícil encontrar apenas um dano ecológico.
Para GOMES
CANOTILHO[1],
deve reconhecer-se que não é ainda claro nem rigoroso o conceito de danos
ecológicos. Este autor esclarece que as dúvidas resultam no entendimento de que
o objecto do dano é o critério orientador, levando a que se fale, por uma lado,
em danos ecológicos quando existe uma agressão aos bens naturais bem como às
relações recíprocas entre eles (e essa agressão ambiental consistiria numa
alteração das qualidades físicas, químicas ou biológicas dos elementos
constitutivos do ambiente, causadas pelo Homem) e, por outro lado, em danos insusceptíveis de avaliação monetária e que não constituiriam lesões de valor
patrimonial mas sim, violação de interesses de protecção da natureza. Alguns
autores consideram ainda que, o dano ecológico-ambiental se deveria considerar
como uma ampliação dos danos ressarciveis (falando-se neste caso de uma dupla
ordenação dos bens da natureza e dos danos ecológicos).
Numa concepção
jurídico-ordenatória de dano ecológico, poderia considerar-se como tal aquele que
constituísse um dano produzido ao bem público ambiente de que é titular a
colectividade, como poderia ainda ser, o dano que é sofrido pelo particular
enquanto titular do direito fundamental ao ambiente e à qualidade de vida.
Para GOMES
CANOTILHO, o dano ecológico é um dano ressarcível, resultante da alteração,
deterioração ou destruição do bem ambiente unitariamente compreendido.
No entendimento
de CUNHAL SENDIM[2], que
parte da conceptualização de dano ao ambiente para referir que se justifica a
autonomização de um conceito mais restrito que englobe apenas os danos aos bens
ecológicos, considerados pelo autor como danos ecológicos. E, seguindo,
caracteriza-os como uma perturbação do património natural –enquanto conjunto
dos recursos bióticos (seres vivos) e abióticos e da sua interacção – que
afecte a capacidade funcional e ecológica e a capacidade de aproveitamento
humano de tais bens tutelada pelo sistema jurídico ambiental. Conclui,
portanto, pela existência de dano ecológico quando existe a perturbação de um
bem jurídico ecológico (quando um determinado estado-dever de um componente de
um ambiente é negativamente alterado). De resto, também o Decreto-Lei 147/2008,
de 29 de Julho, relativo ao regime jurídico da responsabilidade por danos
ambientais, define igualmente dano ecológico como o autor, como resulta da leitura
do segundo parágrafo do Preâmbulo.
No outro pólo
desta distinção, encontramos os danos ao ambiente, onde se verifica a lesão de
bens jurídicos concretos, constitutivos do bem ambiente (solo, luz, água, ar).
Para GOMES CANOTILHO só os danos ambientais são susceptíveis de gerar
responsabilidade individual, uma vez que nos danos ecológicos não haveria
qualquer relação entre lesante e lesado, mas apenas o interesse geral de defesa
do ambiente.
Já CUNHAL
SENDIM refere os danos ao ambiente como uma perturbação do bem jurídico
autónomo e unitário (que diferem também do conceito de danos ambientais, uma
vez que estes são danos indirectos uma vez que utilizam o ambiente como
percurso causal do dano, sendo caudas por uma acção sobre o ambiente).
Como prova de
alguma divergência doutrinária no que respeita a conceptualização ora em
análise, temos o exemplo de CARLA AMADO GOMES[3],
que define dano ecológico como aquele que é causado à integridade de um bem
ambiental natural (que corresponde ao conceito de dano ambiental de GOMES
CANOTILHO). Esclarece ainda a autora que, existe uma resistência à noção de
dano ecológico, resultante de uma lógica predominantemente antropocêntrica que
surge na Conferência do Rio. Aqui, os seres humanos foram declarados como o “centro
das preocupações ambientais”.
Cabe ainda, em
jeito de conclusão referir que, até ao DL 147/2008, o ordenamento jurídico
nacional não procedia a esta distinção entre os conceitos aqui explanados, tal
como resulta dos dois primeiros parágrafos do Preâmbulo. Esta falha resultava
das divergências emergentes em diversos diplomas reguladores de matéria
ambiental como sejam, em primeira linha, a Constituição da República Portuguesa,
e depois a Lei de Bases do Ambiente e a Lei da Participação Procedimental e da
Acção Popular que, apesar disso, já concretizavam tanto o principio da
prevenção como o princípio da responsabilização. Estes estão na base da criação
deste diploma que, desde 2008, se propõe a regular a responsabilidade por danos
ambientais e não por danos ecológicos (como se retira da interpretação literal da
concretização do âmbito de aplicação, presente no artº 2).
Por tudo isto,
consideramos ser mais clara a distinção operada por GOMES CANOTILHO, que
corresponde àquela que é assumida pelos diplomas europeus e nacionais,
concluindo portanto que o dano ecológico é aquele que é ressarcível, e
resulta da alteração, deterioração ou destruição do bem ambiente unitariamente
compreendido; enquanto que, no dano ambiental, se verifica com a lesão de bens jurídicos
concretos, constitutivos do bem ambiente (solo, luz, água, ar), e só estes são susceptíveis de gerar responsabilidade
individual.
[1] GOMES
CANOTILHO, Boletim da Faculdade de
Direito de Coimbra – VOL. LXIX, Coimbra, 1993
[2] JOSÉ
CUNHAL SENDIM, Responsabilidade Civil por
danos ecológicos, Coimbra, 2002
[3] CARLA
AMADO GOMES, Textos Dispersos de Direito
do Ambiente – Vol. III, Associação Académica da Faculdade de Direito de
Lisboa, Lisboa, 2010, pág. 14
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