quarta-feira, 16 de maio de 2012

A diferença entre Dano Ecológico e Dano Ambiental


A destrinça entre estes dois conceitos radica no conceito central de dano, devendo atender-se a que só em função do prejuízo jurídico se pode determinar quando, por quem e sob que pressupostos os danos devem ser reparados e qual o princípio que deve presidir à sua imputação.
Em primeira análise, cabe ter presente o facto de a sociedade se caracterizar por ser uma grande geradora de impactos ambientais e que, devido à evolução industrial e tecnológica a previsibilidade dos danos se torna cada vez menor.
Por isso, e porque o próprio ordenamento jurídico, no artº 66º da CRP, entende o direito ao Ambiente enquanto direito fundamental, se demonstra o interesse em garantir uma qualidade de vida sã e equilibrada. Autores há que concluem que o Direito ao Ambiente tem uma componente individual, colectiva e fundamental, o que é reforçado pela consagração na nossa Constituição da protecção da dignidade da pessoa humana. E é, em suma, daqui que resulta a relevância da efectiva responsabilização objectiva pela produção de danos ambientais, da mesma forma que se revela a importância da consciencialização ambiental, efectivando e aplicando os princípios do Direito do Ambiente, cabendo-lhe a criação de instrumentos jurídicos que satisfaçam o complexo de incertezas que o compõem, determinando as consequências das actividades de alto risco bem como de controlo e regulação das grandes tecnologias.
Este controlo é alcançado através da responsabilidade civil, onde os riscos e os danos ecológicos são assimilados por meios juridicamente protegidos. E daqui partimos para a extrema relevância com que nos deparamos da real separação entre os conceitos de dano ecológico e de dano ambiental, ou se pelo contrário, como VASCO PEREIRA DA SILVA, se deve entender que “a adopção de uma noção ampla objectiva de “dano ambiental” põe em causa a distinção doutrinária entre “dano ambiental” e “dano ecológico”, alargando o primeiro de modo a abarcar também o segundo”, demonstrando-se que é extremamente difícil encontrar apenas um dano ecológico.
Para GOMES CANOTILHO[1], deve reconhecer-se que não é ainda claro nem rigoroso o conceito de danos ecológicos. Este autor esclarece que as dúvidas resultam no entendimento de que o objecto do dano é o critério orientador, levando a que se fale, por uma lado, em danos ecológicos quando existe uma agressão aos bens naturais bem como às relações recíprocas entre eles (e essa agressão ambiental consistiria numa alteração das qualidades físicas, químicas ou biológicas dos elementos constitutivos do ambiente, causadas pelo Homem) e, por outro lado, em danos insusceptíveis de avaliação monetária e que não constituiriam lesões de valor patrimonial mas sim, violação de interesses de protecção da natureza. Alguns autores consideram ainda que, o dano ecológico-ambiental se deveria considerar como uma ampliação dos danos ressarciveis (falando-se neste caso de uma dupla ordenação dos bens da natureza e dos danos ecológicos).
Numa concepção jurídico-ordenatória de dano ecológico, poderia considerar-se como tal aquele que constituísse um dano produzido ao bem público ambiente de que é titular a colectividade, como poderia ainda ser, o dano que é sofrido pelo particular enquanto titular do direito fundamental ao ambiente e à qualidade de vida.
Para GOMES CANOTILHO, o dano ecológico é um dano ressarcível, resultante da alteração, deterioração ou destruição do bem ambiente unitariamente compreendido.
No entendimento de CUNHAL SENDIM[2], que parte da conceptualização de dano ao ambiente para referir que se justifica a autonomização de um conceito mais restrito que englobe apenas os danos aos bens ecológicos, considerados pelo autor como danos ecológicos. E, seguindo, caracteriza-os como uma perturbação do património natural –enquanto conjunto dos recursos bióticos (seres vivos) e abióticos e da sua interacção – que afecte a capacidade funcional e ecológica e a capacidade de aproveitamento humano de tais bens tutelada pelo sistema jurídico ambiental. Conclui, portanto, pela existência de dano ecológico quando existe a perturbação de um bem jurídico ecológico (quando um determinado estado-dever de um componente de um ambiente é negativamente alterado). De resto, também o Decreto-Lei 147/2008, de 29 de Julho, relativo ao regime jurídico da responsabilidade por danos ambientais, define igualmente dano ecológico como o autor, como resulta da leitura do segundo parágrafo do Preâmbulo.
No outro pólo desta distinção, encontramos os danos ao ambiente, onde se verifica a lesão de bens jurídicos concretos, constitutivos do bem ambiente (solo, luz, água, ar). Para GOMES CANOTILHO só os danos ambientais são susceptíveis de gerar responsabilidade individual, uma vez que nos danos ecológicos não haveria qualquer relação entre lesante e lesado, mas apenas o interesse geral de defesa do ambiente.
Já CUNHAL SENDIM refere os danos ao ambiente como uma perturbação do bem jurídico autónomo e unitário (que diferem também do conceito de danos ambientais, uma vez que estes são danos indirectos uma vez que utilizam o ambiente como percurso causal do dano, sendo caudas por uma acção sobre o ambiente).
Como prova de alguma divergência doutrinária no que respeita a conceptualização ora em análise, temos o exemplo de CARLA AMADO GOMES[3], que define dano ecológico como aquele que é causado à integridade de um bem ambiental natural (que corresponde ao conceito de dano ambiental de GOMES CANOTILHO). Esclarece ainda a autora que, existe uma resistência à noção de dano ecológico, resultante de uma lógica predominantemente antropocêntrica que surge na Conferência do Rio. Aqui, os seres humanos foram declarados como o “centro das preocupações ambientais”.
Cabe ainda, em jeito de conclusão referir que, até ao DL 147/2008, o ordenamento jurídico nacional não procedia a esta distinção entre os conceitos aqui explanados, tal como resulta dos dois primeiros parágrafos do Preâmbulo. Esta falha resultava das divergências emergentes em diversos diplomas reguladores de matéria ambiental como sejam, em primeira linha, a Constituição da República Portuguesa, e depois a Lei de Bases do Ambiente e a Lei da Participação Procedimental e da Acção Popular que, apesar disso, já concretizavam tanto o principio da prevenção como o princípio da responsabilização. Estes estão na base da criação deste diploma que, desde 2008, se propõe a regular a responsabilidade por danos ambientais e não por danos ecológicos (como se retira da interpretação literal da concretização do âmbito de aplicação, presente no artº 2).
Por tudo isto, consideramos ser mais clara a distinção operada por GOMES CANOTILHO, que corresponde àquela que é assumida pelos diplomas europeus e nacionais, concluindo portanto que o dano ecológico é aquele que é ressarcível, e resulta da alteração, deterioração ou destruição do bem ambiente unitariamente compreendido; enquanto que, no dano ambiental,  se verifica com a lesão de bens jurídicos concretos, constitutivos do bem ambiente (solo, luz, água, ar), e só estes  são susceptíveis de gerar responsabilidade individual.



[1] GOMES CANOTILHO, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra – VOL. LXIX, Coimbra, 1993
[2] JOSÉ CUNHAL SENDIM, Responsabilidade Civil por danos ecológicos, Coimbra, 2002
[3] CARLA AMADO GOMES, Textos Dispersos de Direito do Ambiente – Vol. III, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 2010, pág. 14

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