A zona costeira e a relação privilegiada com o mar são factores estratégicos e de crescimento socioeconómico e cultural de inegável atracção para o desenvolvimento de actividades económicas e de lazer, fonte importante de alimentos e matérias-primas. O litoral é a localização preferencial para a fixação de um número considerável de cidadãos europeus e, também, o destino de eleição para as férias destes e de cidadãos de todo o mundo, para além do facto de aí se situarem importantes habitats naturais.
Recorde-se que o continente europeu tem uma orla
costeira de milhares de km de extensão, até superior, inclusivamente, aos
Estados Unidos da América ou à Federação da Rússia. Aliás, cerca de dois terços
das fronteiras da União Europeia correspondem a orla marítima. Será fruto da
configuração geográfica do continente europeu que, em 2007, cerca de 196 milhões
de pessoas habitava nas 446 zonas costeiras da União Europeia, ou seja, cerca
de 43% da população da União Europeia residia junto ao litoral. Contudo, desde a década de 80 do século passado,
a comunidade internacional tem tomado consciência dos problemas enfrentados
pelas zonas costeiras e da necessidade de os prevenir ou, pelo menos, minimizar
os seus efeitos.
As zonas costeiras são um ambiente complexo,
estando sujeitas à influência exercida pelas correntes de água, fluxos de
sedimentos e tempestades frequentes, bem como a utilizações inadequadas ou
excessivas por parte do homem. Assim, de entre os riscos inerentes às zonas
costeiras, riscos de origem humana e riscos naturais, estão os seguintes:
a) Erosão costeira generalizada;
b) Destruição do habitat como resultado de construção e planeamento
urbano desordenados ou devido à exploração marinha;
c) Perda de biodiversidade, incluindo o declínio das unidades
populacionais costeiras e do largo como resultado de estragos causados às zonas
de desova costeira;
d) Contaminação dos recursos do solo e hídricos à
medida que a poluição marinha ou telúrica, incluindo a poluição com origem nos
aterros sanitários, migra para a costa;
e) Problemas relacionados com a qualidade e
quantidade da água à medida que a procura excede a oferta ou a capacidade de
tratamento de águas residuais.
Como
consequência destes problemas, acentuam-se também os problemas humanos, nomeadamente:
a) Desemprego e instabilidade social resultante
do declínio dos sectores tradicionais ou compatíveis com o meio ambiente, como
é o caso da pesca artesanal costeira em pequena escala;
b) Concorrência na utilização dos recursos;
c) Destruição do legado cultural e destruição do
tecido social na sequência do desenvolvimento descontrolado.
Ora, a premência na resolução destes problemas –
que afectam não apenas os residentes nas zonas costeiras, mas também todos os
cidadãos europeus (e mesmo cidadãos não europeus) que, seja como fonte
alimentar ou como destino de lazer, usufruem dessas zonas – levou à promoção e
realização de diversos estudos, nomeadamente, a nível europeu, dos quais se
destaca o Programa de Demonstração da Comissão sobre a Gestão Integrada das Zonas
Costeiras e o estudo EUROSION,
levado a cabo na sequência de uma iniciativa do Parlamento Europeu, que
respeita ao problema específico da erosão costeira.
Desde logo, é de referir as pressões antrópicas
exercidas sobre as zonas costeiras, por exemplo, o mau planeamento do
desenvolvimento turístico e a expansão urbana.
Como referido, as zonas costeiras são um destino
preferencial de férias para muitos europeus e também cidadãos extra-europeus, o
que leva os investidores a apostarem fortemente nessas áreas. Sucede, porém,
que a construção desenfreada e desregrada de empreendimentos turísticos construídos
no litoral exerce enormes pressões sobre a costa, nomeadamente ao nível das
reservas locais de água doce, para além de que pode também estar na origem de
problemas de poluição atmosférica e marinha.
As zonas costeiras são, também, a localização
predilecta para a residência dos cidadãos europeus, seja para habitação
permanente ou habitação secundária. Contudo, a crescente urbanização do espaço
litoral da União Europeia tem sido levada a cabo de forma desordenada,
destruindo habitats naturais frágeis e impedindo o acesso do cidadão comum às praias
locais, a que acresce o facto de os sistemas de eliminação de resíduos e fossas
sépticas poderem sobrecarregar a capacidade natural do meio ambiente para
absorver poluentes. Por seu turno, a erosão costeira é um fenómeno natural, que
sempre existiu, mas que assume agora maiores dimensões por força da pressão
antrópica, ou seja, a pressão exercida nas zonas costeiras pelas actividades
humanas e pela migração de uma percentagem significativa da população para tais
zonas.
A erosão costeira resulta de uma variedade de
factores, de origem natural ou antrópica. Entre as principais causas da erosão
costeira e do consequente recuo da linha da costa encontram-se:
a) A elevação do nível do mar;
b) A diminuição da quantidade de sedimentos
fornecidos ao litoral, por força das dragagens e barragens, bem como da
extracção de inertes;
c) A degradação antropogénica de estruturas
naturais, através da construção de edifícios nas zonas dunares, extracção de
areias, e veículos de todo-o-terreno nas dunas;
d) Obras pesadas de engenharia costeira, como,
por exemplo, molhes e quebra mares, esporões e paredões.
A erosão costeira pode implicar o desmoronamento parcial ou total de casas, de
estradas ou de outros edificados localizados demasiado perto da franja litoral
e, em consequência, prejudicar sobremaneira a vivência normal das comunidades
situadas no litoral e também as actividades económicas aí desenvolvidas.
No estudo EUROSION, concluiu-se que todos os
Estados costeiros europeus sofrem de problemas relacionados com a erosão
costeira, que se estendiam, em 2004, por cerca de 20.000km, ou seja, cerca de
20% da orla costeira da União Europeia nessa data.
Um exemplo que serve para ilustrar o agravamento
da erosão costeira na sequência de obras de engenharia tem lugar em Portugal.
Com efeito, as obras de engenharia realizadas para melhorar as instalações do
porto de Aveiro levaram ao agravamento da erosão da linha da costa adjacente e
alteraram o curso normal das marés, o que não havia sido ponderado aquando da
fase do planeamento. As posteriores tentativas no sentido de proteger a costa com
construções de betão armado e aço não conseguiram melhorar a situação. Em 2001,
por exemplo, as despesas dos Estados-membros com a mitigação dos riscos de erosão
ou inundação em zonas costeiras ascendeu a 3.200 milhões de euros, de acordo
com os estudos encetados pela EUROSION. Esta entidade afirma, igualmente, que
no Painel Internacional das Nações Unidas para as alterações climáticas se
estimou que o custo da erosão costeira poderá rondar em média os 5,400 milhões
de euros por ano, entre 1990 e 2020.
A erosão costeira será, pois, um dos principais
factores de risco da zona litoral dos vários Estados costeiros membros da União
Europeia.
A panorâmica nacional não diverge do supradito
quanto à União Europeia no seu todo.
Também Portugal se debate com os problemas e as
pressões exercidas sobre as zonas costeiras, principalmente tendo em consideração
que a costa portuguesa se estende por cerca de 1187 Km. Assim, denota-se que
cerca de 76% da população portuguesa reside nas áreas costeiras. De acordo com a Estratégia Nacional de Desenvolvimento
Sustentável (aprovada pela Resolução de Conselho de Ministros n.º 109/2007,de
20 de Agosto, doravante “ENDS”), cerca de 29% da costa está ocupada com
construção destinada a habitação, turismo, indústria e áreas portuárias. A
pressão deste tipo de ocupação é reforçada com a pressão turística sazonal.
De entre as actividades marítimas mais
significativas cumpre referir a pesca e, ainda, o turismo costeiro. Em relação
ao turismo, sublinha-se a circunstância de esta actividade ser responsável por
cerca de 11% do Produto Interno Bruto do país e por cerca de 10% da totalidade
dos postos de trabalho.
Com efeito, o posicionamento geográfico de
Portugal apresenta inúmeras potencialidades de desenvolvimento económico,
turístico, científico e tecnológico, tal como resulta da ENDS. Todavia, é
também a sua localização e o actual aproveitamento do território nacional e dos
recursos naturais que acarretam riscos e prejuízos já reconhecidos na ENDS e que levam a que aqui se estabeleça como um
dos objectivos para o país “melhor ambiente e valorização do património”,
através, nomeadamente, da promoção uma política integrada de ordenamento,
planeamento e gestão da zona costeira que vise assegurar quer a sua protecção,
valorização e requalificação ambiental e paisagística quer o seu
desenvolvimento económico e social, em articulação com a Estratégia Nacional
para o Mar.
Com relevância, refira-se que, na ENDS, se
enunciam como riscos para o desenvolvimento sustentável de Portugal,
nomeadamente, os seguintes:
a) Prosseguimento de um crescimento urbano
extensivo e muitas vezes sem a qualidade estética e ambiental desejáveis,
comprometendo recursos naturais, qualidade de vida das populações e
atractividade do território;
b) Permanência de uma aposta no turismo de
massas, pouco diversificado, com risco de impacto negativo no ambiente e nos
recursos naturais, em particular no litoral.
c) Afectação excessiva de espaços ao turismo
afluente, com risco de consumo excessivo de recursos naturais;
d) Vulnerabilidade (no longo prazo) da extensa
orla costeira, devido à ocupação desordenada e intervenções humanas que se têm
provocado elevados níveis de erosão, e de instabilidade das formações costeiras
e degradação da paisagem;
e) Riscos naturais em algumas regiões,
designadamente sismicidade, cheias e secas, estes dois últimos sujeitos ainda a
factores de maior imprevisibilidade decorrente do processo de alterações
climáticas.
Em Portugal, a erosão costeira e a degradação das
arribas têm como principais causas:
- A diminuição do afluxo de sedimentos, sobretudo
a partir dos anos 1950, na sequência da construção de barragens, da realização
de dragagens e de obras de regularização de cursos de água, da exploração de
inertes nos rios, estuários dunas e praias, de obras portuárias e de protecção
costeira;
- A ocupação desordenada da faixa litoral, com
construção de habitações e infraestruturas;
- A subida do nível do mar em consequência da
expansão térmica oceânica. Os troços de litoral submetidos a erosão marinha
mais intensa no território continental correspondem às áreas de costa baixa
arenosa (como os sistemas dunares e as zonas húmidas).
Do que antecede não se deverá, porém, retirar a
conclusão de que deverá ser proibida, sem mais, qualquer edificação ou a
prossecução de quaisquer actividades económicas na orla costeira. É inegável a
necessidade de um correcto e equilibrado aproveitamento da orla costeira e dos
recursos marinhos, seja através do turismo sustentável, seja através da promoção
e desenvolvimento de actividades económicas a prosseguir de forma equilibrada, como
é o caso da produção de energia renovável. A este respeito e no quadro da
política nacional, importará atentar nos objectivos traçados pela ENDS para um
melhor aproveitamento da orla costeira.
Ora, a crescente limitação do espaço físico e o
esgotamento dos recursos naturais da orla costeira potencia os conflitos entre
a utilização de tal espaço para a construção de empreendimentos turísticos ou
de habitação e desenvolvimento de actividades económicas, por um lado, e a
necessidade de preservação do meio ambiente, dos habitats naturais, para além
da própria protecção de pessoas e bens, por outro lado.
É, pois, este conflito que reclama a urgente
intervenção do legislador e das entidades administrativas que, conscientes das
dificuldades técnicas e tecnológicas de solucionar o problema, devem, pelo
menos, tentar mitigá-lo a contento de todas as partes envolvidas. Com efeito,
se é certo que importa preservar os recursos naturais, não é menos certo que o
mar e as zonas costeiras representam um potencial de desenvolvimento
socioeconómico e cultural que não pode ser desprezado. Trata-se, em suma, de
harmonizar interesses simultaneamente
divergentes e
convergentes.
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