quinta-feira, 17 de maio de 2012

O IMPACTO DA ZONA COSTEIRA NO DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÓMICO DA UNIÃO EUROPEIA E DE PORTUGAL EM ESPECIAL. A NECESSIDADE DA SUA PRESERVAÇÃO


A zona costeira e a relação privilegiada com o mar são factores estratégicos e de crescimento socioeconómico e cultural de inegável atracção para o desenvolvimento de actividades económicas e de lazer, fonte importante de alimentos e matérias-primas. O litoral é a localização preferencial para a fixação de um número considerável de cidadãos europeus e, também, o destino de eleição para as férias destes e de cidadãos de todo o mundo, para além do facto de aí se situarem importantes habitats naturais.
Recorde-se que o continente europeu tem uma orla costeira de milhares de km de extensão, até superior, inclusivamente, aos Estados Unidos da América ou à Federação da Rússia. Aliás, cerca de dois terços das fronteiras da União Europeia correspondem a orla marítima. Será fruto da configuração geográfica do continente europeu que, em 2007, cerca de 196 milhões de pessoas habitava nas 446 zonas costeiras da União Europeia, ou seja, cerca de 43% da população da União Europeia residia junto ao litoral. Contudo, desde a década de 80 do século passado, a comunidade internacional tem tomado consciência dos problemas enfrentados pelas zonas costeiras e da necessidade de os prevenir ou, pelo menos, minimizar os seus efeitos.
As zonas costeiras são um ambiente complexo, estando sujeitas à influência exercida pelas correntes de água, fluxos de sedimentos e tempestades frequentes, bem como a utilizações inadequadas ou excessivas por parte do homem. Assim, de entre os riscos inerentes às zonas costeiras, riscos de origem humana e riscos naturais, estão os seguintes:
a) Erosão costeira generalizada;
b) Destruição do habitat como resultado de construção e planeamento urbano desordenados ou devido à exploração marinha;
c) Perda de biodiversidade, incluindo o declínio das unidades populacionais costeiras e do largo como resultado de estragos causados às zonas de desova costeira;
d) Contaminação dos recursos do solo e hídricos à medida que a poluição marinha ou telúrica, incluindo a poluição com origem nos aterros sanitários, migra para a costa;
e) Problemas relacionados com a qualidade e quantidade da água à medida que a procura excede a oferta ou a capacidade de tratamento de águas residuais.
Como consequência destes problemas, acentuam-se também os problemas humanos, nomeadamente:
a) Desemprego e instabilidade social resultante do declínio dos sectores tradicionais ou compatíveis com o meio ambiente, como é o caso da pesca artesanal costeira em pequena escala;
b) Concorrência na utilização dos recursos;
c) Destruição do legado cultural e destruição do tecido social na sequência do desenvolvimento descontrolado.
Ora, a premência na resolução destes problemas – que afectam não apenas os residentes nas zonas costeiras, mas também todos os cidadãos europeus (e mesmo cidadãos não europeus) que, seja como fonte alimentar ou como destino de lazer, usufruem dessas zonas – levou à promoção e realização de diversos estudos, nomeadamente, a nível europeu, dos quais se destaca o Programa de Demonstração da Comissão sobre a Gestão Integrada das Zonas Costeiras e o estudo EUROSION, levado a cabo na sequência de uma iniciativa do Parlamento Europeu, que respeita ao problema específico da erosão costeira.
Desde logo, é de referir as pressões antrópicas exercidas sobre as zonas costeiras, por exemplo, o mau planeamento do desenvolvimento turístico e a expansão urbana.
Como referido, as zonas costeiras são um destino preferencial de férias para muitos europeus e também cidadãos extra-europeus, o que leva os investidores a apostarem fortemente nessas áreas. Sucede, porém, que a construção desenfreada e desregrada de empreendimentos turísticos construídos no litoral exerce enormes pressões sobre a costa, nomeadamente ao nível das reservas locais de água doce, para além de que pode também estar na origem de problemas de poluição atmosférica e marinha.
As zonas costeiras são, também, a localização predilecta para a residência dos cidadãos europeus, seja para habitação permanente ou habitação secundária. Contudo, a crescente urbanização do espaço litoral da União Europeia tem sido levada a cabo de forma desordenada, destruindo habitats naturais frágeis e impedindo o acesso do cidadão comum às praias locais, a que acresce o facto de os sistemas de eliminação de resíduos e fossas sépticas poderem sobrecarregar a capacidade natural do meio ambiente para absorver poluentes. Por seu turno, a erosão costeira é um fenómeno natural, que sempre existiu, mas que assume agora maiores dimensões por força da pressão antrópica, ou seja, a pressão exercida nas zonas costeiras pelas actividades humanas e pela migração de uma percentagem significativa da população para tais zonas.
A erosão costeira resulta de uma variedade de factores, de origem natural ou antrópica. Entre as principais causas da erosão costeira e do consequente recuo da linha da costa encontram-se:
a) A elevação do nível do mar;
b) A diminuição da quantidade de sedimentos fornecidos ao litoral, por força das dragagens e barragens, bem como da extracção de inertes;
c) A degradação antropogénica de estruturas naturais, através da construção de edifícios nas zonas dunares, extracção de areias, e veículos de todo-o-terreno nas dunas;
d) Obras pesadas de engenharia costeira, como, por exemplo, molhes e quebra mares, esporões e paredões.
A erosão costeira pode implicar o desmoronamento parcial ou total de casas, de estradas ou de outros edificados localizados demasiado perto da franja litoral e, em consequência, prejudicar sobremaneira a vivência normal das comunidades situadas no litoral e também as actividades económicas aí desenvolvidas.
No estudo EUROSION, concluiu-se que todos os Estados costeiros europeus sofrem de problemas relacionados com a erosão costeira, que se estendiam, em 2004, por cerca de 20.000km, ou seja, cerca de 20% da orla costeira da União Europeia nessa data.
Um exemplo que serve para ilustrar o agravamento da erosão costeira na sequência de obras de engenharia tem lugar em Portugal. Com efeito, as obras de engenharia realizadas para melhorar as instalações do porto de Aveiro levaram ao agravamento da erosão da linha da costa adjacente e alteraram o curso normal das marés, o que não havia sido ponderado aquando da fase do planeamento. As posteriores tentativas no sentido de proteger a costa com construções de betão armado e aço não conseguiram melhorar a situação. Em 2001, por exemplo, as despesas dos Estados-membros com a mitigação dos riscos de erosão ou inundação em zonas costeiras ascendeu a 3.200 milhões de euros, de acordo com os estudos encetados pela EUROSION. Esta entidade afirma, igualmente, que no Painel Internacional das Nações Unidas para as alterações climáticas se estimou que o custo da erosão costeira poderá rondar em média os 5,400 milhões de euros por ano, entre 1990 e 2020.
A erosão costeira será, pois, um dos principais factores de risco da zona litoral dos vários Estados costeiros membros da União Europeia.
A panorâmica nacional não diverge do supradito quanto à União Europeia no seu todo.
Também Portugal se debate com os problemas e as pressões exercidas sobre as zonas costeiras, principalmente tendo em consideração que a costa portuguesa se estende por cerca de 1187 Km. Assim, denota-se que cerca de 76% da população portuguesa reside nas áreas costeiras. De acordo com a Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável (aprovada pela Resolução de Conselho de Ministros n.º 109/2007,de 20 de Agosto, doravante “ENDS”), cerca de 29% da costa está ocupada com construção destinada a habitação, turismo, indústria e áreas portuárias. A pressão deste tipo de ocupação é reforçada com a pressão turística sazonal.
De entre as actividades marítimas mais significativas cumpre referir a pesca e, ainda, o turismo costeiro. Em relação ao turismo, sublinha-se a circunstância de esta actividade ser responsável por cerca de 11% do Produto Interno Bruto do país e por cerca de 10% da totalidade dos postos de trabalho.
Com efeito, o posicionamento geográfico de Portugal apresenta inúmeras potencialidades de desenvolvimento económico, turístico, científico e tecnológico, tal como resulta da ENDS. Todavia, é também a sua localização e o actual aproveitamento do território nacional e dos recursos naturais que acarretam riscos e prejuízos já reconhecidos na ENDS e  que levam a que aqui se estabeleça como um dos objectivos para o país “melhor ambiente e valorização do património”, através, nomeadamente, da promoção uma política integrada de ordenamento, planeamento e gestão da zona costeira que vise assegurar quer a sua protecção, valorização e requalificação ambiental e paisagística quer o seu desenvolvimento económico e social, em articulação com a Estratégia Nacional para o Mar.
Com relevância, refira-se que, na ENDS, se enunciam como riscos para o desenvolvimento sustentável de Portugal, nomeadamente, os seguintes:
a) Prosseguimento de um crescimento urbano extensivo e muitas vezes sem a qualidade estética e ambiental desejáveis, comprometendo recursos naturais, qualidade de vida das populações e atractividade do território;
b) Permanência de uma aposta no turismo de massas, pouco diversificado, com risco de impacto negativo no ambiente e nos recursos naturais, em particular no litoral.
c) Afectação excessiva de espaços ao turismo afluente, com risco de consumo excessivo de recursos naturais;
d) Vulnerabilidade (no longo prazo) da extensa orla costeira, devido à ocupação desordenada e intervenções humanas que se têm provocado elevados níveis de erosão, e de instabilidade das formações costeiras e degradação da paisagem;
e) Riscos naturais em algumas regiões, designadamente sismicidade, cheias e secas, estes dois últimos sujeitos ainda a factores de maior imprevisibilidade decorrente do processo de alterações climáticas.
Em Portugal, a erosão costeira e a degradação das arribas têm como principais causas:
- A diminuição do afluxo de sedimentos, sobretudo a partir dos anos 1950, na sequência da construção de barragens, da realização de dragagens e de obras de regularização de cursos de água, da exploração de inertes nos rios, estuários dunas e praias, de obras portuárias e de protecção costeira;
- A ocupação desordenada da faixa litoral, com construção de habitações e infraestruturas;
- A subida do nível do mar em consequência da expansão térmica oceânica. Os troços de litoral submetidos a erosão marinha mais intensa no território continental correspondem às áreas de costa baixa arenosa (como os sistemas dunares e as zonas húmidas).
Do que antecede não se deverá, porém, retirar a conclusão de que deverá ser proibida, sem mais, qualquer edificação ou a prossecução de quaisquer actividades económicas na orla costeira. É inegável a necessidade de um correcto e equilibrado aproveitamento da orla costeira e dos recursos marinhos, seja através do turismo sustentável, seja através da promoção e desenvolvimento de actividades económicas a prosseguir de forma equilibrada, como é o caso da produção de energia renovável. A este respeito e no quadro da política nacional, importará atentar nos objectivos traçados pela ENDS para um melhor aproveitamento da orla costeira.
Ora, a crescente limitação do espaço físico e o esgotamento dos recursos naturais da orla costeira potencia os conflitos entre a utilização de tal espaço para a construção de empreendimentos turísticos ou de habitação e desenvolvimento de actividades económicas, por um lado, e a necessidade de preservação do meio ambiente, dos habitats naturais, para além da própria protecção de pessoas e bens, por outro lado.
É, pois, este conflito que reclama a urgente intervenção do legislador e das entidades administrativas que, conscientes das dificuldades técnicas e tecnológicas de solucionar o problema, devem, pelo menos, tentar mitigá-lo a contento de todas as partes envolvidas. Com efeito, se é certo que importa preservar os recursos naturais, não é menos certo que o mar e as zonas costeiras representam um potencial de desenvolvimento socioeconómico e cultural que não pode ser desprezado. Trata-se, em suma, de harmonizar interesses simultaneamente
divergentes e convergentes.

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