Cumpre analisar neste breve comentário
a formulação acolhida pela primeira parte do art.º. 66/1 da CRP e tecer alguns
comentários relativos à problemática da natureza do direito ao ambiente.
A maioria da doutrina portuguesa
vê neste preceito a consagração de um direito subjectivo público, um direito de
terceira geração: o "direito ao ambiente”. Neste sentido, o Professor
Vasco Pereira da Silva entende que a nossa Constituição estabelece um direito
fundamental ao ambiente e à qualidade de vida. Para o Professor, “É esta
dimensão subjectiva que, (…),não apenas constitui a chave dogmática para a
construção de um sistema de Direito do Ambiente, que abranja relações publicas
e privadas e que permita uma ponderação equilibrada dos diferentes valores e
interesses em presença, como também parece corresponder a uma preferência do
legislador constituinte pela subjectivação da tutela jurídica das questões
ambientais- na medida em que, para além da consagração de um direito
fundamental ao ambiente, mesmo quando trata das tarefas estaduais, refere-se
expressamente aos direitos ambientais (vide o artigo 9º, alínea d)) ”.[1]
No entanto, a ideia de que o direito ao ambiente é um direito subjectivo não
tem sido acolhida por parte da doutrina, nomeadamente pelos Professores Jorge
Miranda e Colaço Antunes. Este é também o entendimento perfilhado pela doutora
Carla Amado Gomes: “Uma leitura apressada da primeira parte do artigo 66º/1 da
CRP pode até seduzir para a ideia do direito subjectivo, mas um olhar mais
atento leva-nos a concluir que, se fosse para dar outro nome aos direitos de
personalidade14 — mantendo, contudo, o regime de tutela, fundamentalmente
ancorado nos artigos 70º segs do Código Civil —, não valeria a pena ter
introduzido o preceito no texto constitucional. Tratar-se-ia de uma duplicação inútil.”[2]
Ora, segundo esta posição, não consubstanciando os bens ambientais naturais,
bens susceptíveis de aproveitamento individual, o seu modo de aproveitamento
não pode ser reconduzido à ideia de direito subjectivo. Desta forma verifica-se
um esvaziamento do sentido útil da norma, pois a primeira parte do artº.66/1 CRP
tem inerente a ideia de aproveitamento individual dos bens ambientais naturais,
ignorando assim o valor da solidariedade subjacente à gestão racional de bens
de fruição colectiva (artº.66/2 e) CRP).
“Na verdade, o interesse de facto de fruição
de bens colectivos, para além de um status fruendi, que obedece a regras
de gestão racional, é também um status activae processualis15, indutor
da sensibilização para a necessidade de um esforço solidário no sentido da
preservação dos bens ambientais.”[3]Daí
o sentido da definição de Direito do Ambiente apontado pela autora como “o
conjunto de princípios e normas que disciplinam as intervenções humanas sobre
os bens ambientais naturais, de forma a impedir destruições irreversíveis para
a subsistência equilibrada dos ecossistemas, a fomentar a sensibilização para a
promoção da qualidade do ambiente, a sancionar as condutas que lesem a
integridade e capacidade regenerativa daqueles bens, e a reparar e/ou compensar
os dano”.[4]
Deste
modo, o imperativo de protecção do ambiente apresenta-se estritamente ligado ao
conceito de ecocidadania. Efectivamente,
cada individuo encontra-se revestido no dever de proteger o ambiente, sendo que
a sua realização reverte a favor de si próprio bem como a favor das comunidades
presente e futura. A primeira parte do artº.66/1 da CRP deve ser conjugada com
o artº.52/3 a) da CRP, de forma a bem interpretar o sentido da norma. O
referido preceito consagra a legitimidade dos sujeitos para prevenir e obstar
às ofensas dos bens ambientais naturais. Tal legitimidade é justificada pela
fruição colectiva. Consequentemente, o bem ambiente por não ser susceptível de
apropriação individual, não deverá ser considerado como um direito subjectivo
mas como “uma síntese de posições procedimentais e processuais
instrumentais à gestão democrática (do aproveitamento) dos bens ambientais.”.[5]
[1] Professor Vasco Pereira da Silva, Verde cor do Direito- Lições de Direito do
Ambiente, cit. página 84
[2] Doutora Carla Amado Gomes, Direito Administrativo do Ambiente cit. Página 12
[3] Doutora Carla Amado Gomes, Direito Administrativo do Ambiente, cit.
Página 12
[4] Doutora Carla Amado Gomes, Direito Administrativo do Ambiente, cit.
Página 11
[5] Doutora Carla Amado Gomes, Direito Administrativo do Ambiente, cit.
Página 14
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