O Crime de Poluição – Artigo 279º
Código Penal
O
crime de poluição visa proteger e preservar o ambiente enquanto bem jurídico autónomo.
A proteção conferida ao ambiente, com a criminalização de determinados
comportamentos, não se traduz numa prevenção de bens pessoais como a vida ou a
integridade física. O que se visa realmente preservar, é um meio de vida são,
com a proteção imediata de valores ambientais essenciais à plena realização da
personalidade de cada homem. É por esta razão que a proteção do direito a um
ambiente sadio pertence ao Direito Penal.
O
artigo 66º da CRP é dinâmico, tem evoluído consoante a ciência, o que nos leva
a afirmar que neste momento estamos perante uma noção antropocêntrica moderada
do meio ambiente rejeitando a ideia de fundamentalismo ecológico, uma vez que é
compatível com outros direitos, tais como, a propriedade e a livre iniciativa
económica, é esta também a posição de VASCO PEREIRA DA SILVA.
No
fundo, o que se visa proteger são os ataques que ponham em causa os níveis de tolerabilidade
comunitariamente suportáveis, o que vai de encontro à ideia de ambiente sadio
atrás referida.
Quanto
ao tipo objetivo, diferentemente dos crimes do Capitulo III do Código Penal, o
crime de poluição confunde-se com o resultado. O comportamento proibido é
poluir, desde que daí resulte como consequência uma poluição em medida inadmissível.
É também, um crime de resultado de forma livre na alínea a) do art. 279º - “por
qualquer forma” – e um crime de forma vinculada nas alíneas b) e c) do mesmo
artigo uma vez que a poluição tem de ser efetuada mediante meios previstos no
tipo. De notar a diferença de regime entre Portugal e Espanha quanto a esta
matéria. Enquanto Portugal coloca a tónica da incriminação no resultado – “poluição
em medida inadmissível” – Espanha no seu art. 325º prevê exaustivamente as
condutas potencialmente lesivas, o que o torna um artigo redundante.
Analisando
o conceito de poluir previsto no Código Penal parece-nos que se deve optar pelo
significado de poluir na linguagem corrente. Assim, poluição é o fenómeno de
alteração dos elementos naturais do meio ambiente, de tal forma que a sua
composição ou o seu estado ficam alterados, temporária ou irreversivelmente,
deixando de ser adequados para a utilização que poderiam ter no seu estado
natural anterior à atividade poluidora.
Do
ponto de vista penalista, a poluição criminalmente relevante, é apenas aquela
que provoca a alteração dos elementos naturais em medida inadmissível,
afastando-se desde já a ideia de que a toda e qualquer pequena alteração caberá
a respetiva punição. No fundo, as propriedades dos elementos ambientais
tutelados pelo crime de poluição – a qualidade da água, solo, ar ambiente
sonoro – têm que ser alteradas de forma inadmissível. A definição do 279º/3 faz
depender a relevância típica da ação do facto de constituir, também, uma infração
do ordenamento jurídico-administrativo regulador da área em que se realiza essa
conduta. Essa circunstância levou autores como JOSÉ DE SOUTO MOURA a afirmar
que a medida inadmissível do nº1 do art. 219º CP tem a ver com a inobservância
de prescrições ou limitações impostas pela administração, ou seja, o crime não
existe quando há poluição ou quando a poluição é grande, existe apenas quando
há poluição mais a inobservância das prescrições ou limitações da
Administração. Esta solução aparentemente paradoxal poderá conduzir ao seguinte
resultado: pode haver poluição reduzida e haver crime – porque a Administração
interveio; pode haver poluição elevada e não haver crime – a Administração não
interveio.
O
pressuposto de a conduta ilícita ter infringido uma norma administrativa, ou
seja, extra penal, consubstancia o recurso à técnica da norma penal em branco.
Esta remissão para disposições regulamentares levantou na doutrina enormes divergências
que aqui não cabem tratar, contudo, será pertinente atentar na opinião de RUI CARLOS
PEREIRA que sustenta estarmos perante uma conceção de crime de poluição como
uma “desobediência de duplo grau”, uma vez que se exige não só que o agente
viole disposições legais ou regulamentares, mas também, cumulativamente, seja
advertido por uma autoridade competente de que é punível por desobediência.
Consequentemente, o mesmo autor defende que esta norma pode criar enormes
injustiças relativas, uma vez que a existência de crime dependerá da
sensibilidade ecológica de cada autoridade administrativa.
Contudo,
e apesar da remissão para normas regulamentares, no caso em apreço, o artigo
279º contém o critério de ilicitude, orientando suficientemente os
destinatários da norma para que possam compreender em que consiste a conduta proibida,
não deixando a descoberto qualquer elemento do tipo de crime, uma vez que as “prescrições
ou limitações impostas pela autoridade competente em conformidade com
disposições legais ou regulamentares” desde que não consubstanciem nenhum
critério autónomo de ilicitude, limitando-se a uma mera aplicação de
conhecimentos técnicos não fere o princípio da legalidade. No fundo, o que a
norma administrativa não pode fazer é “emprestar carácter inovatório na
definição de elementos relevantes do próprio tipo de crime”.
Finalizando,
ocorrerá “poluição em medida inadmissível” quando de uma determinada conduta
resulte uma perturbação, uma contaminação, uma alteração significativa de pelo
menos um dos elementos naturais do ambiente – água, solo, ar e ambiente sonoro –
a tal ponto que ponha em concreto perigo a capacidade de recuperação dos
sistemas naturais, o que nos leva a afirmar que com este critério os atentados
mais graves são evidentes por qualquer homem médio, uma vez que o seu desvalor
ético-social será de tal ordem que o individuo não terá, em principio, de conhecer
qualquer norma técnica para saber que está errado e estar consciente da sua
gravidade.
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