domingo, 20 de maio de 2012

O Direito ao Silêncio



Notícia do Público, a 18.05.2012: 

« Queixas por causa de ruído aumentaram 10% e atingiram as 80 em 2011

 O Provedor de Justiça recebeu no ano passado 80 queixas por excesso de ruído, um aumento de quase 10% face a 2010, fazendo com que seja o motivo mais recorrente de queixa em matérias ambientais.
A maioria das queixas (38) relaciona-se com restaurantes, bares e discotecas, que estão muitas vezes “instalados em edifícios multifamiliares sem isolamento”, segundo o relatório de actividades de 2011 da Provedoria de Justiça, a que a agência Lusa teve acesso. 

 Foram igualmente registadas 10 queixas por causa do ruído provocado pelo tráfego, sobretudo rodoviário, e outras 10 por causa do excesso de ruído provocado pelos vizinhos. 

 O relatório regista ainda nove queixas relativas ao ruído provocado por comércio e serviços, “designadamente cabeleireiros, ginásios e oficinas de automóveis”, seis devido a espectáculos nocturnos na via pública, quatro por actividades industriais e três relacionadas com “equipamentos para espantar aves ou alarmes sonoros de passagens de nível”. 

 O total de queixas recebidas em 2011 por excesso de ruído representa um aumento de 9,6% em relação a 2010, ano em que foram registadas 73 queixas, o que já na altura fazia com que as reclamações contra ruído excessivo tivessem “um lugar central”. »


 O ruído, por ser um tipo de poluição cujas consequências para o ambiente sejam talvez as menos evidentes ou aparentes para o cidadão comum, é frequentemente ignorado como um factor de impacto ecológico negativo.

 Contudo, e como é possível concluir pela notícia referida supra, constitui um tipo de poluição com efeitos nefastos para a saúde e para o meio ambiente, sendo o factor de poluição que serve de motivação ao maior número de queixas em matéria ambiental ao Provedor de Justiça.

 O ruído é um dos mais graves e comuns riscos ambientais à saúde humana, sobretudo quando se tem em conta a evolução civilizacional que presenciamos actualmente, cada vez mais propensa ao tipo de avanço tecnológico capaz de proporcionar situações de poluição sonora. Na perspetiva do ambiente, entende-se por ruído o fenómeno físico vibratório com características indefinidas de variações de pressão do ar em função da frequência; isto é, para uma dada frequência podem existir, em forma aleatória através do tempo, variações de diferentes pressões. O ruído ambiental é entendido como aquele que, além do ruído normal que as pessoas fazem quando comunicam entre si, é provocado pelo tráfego rodoviário, aviões, comboios e atividades de lazer, como discotecas ou parques de diversão, cuja proliferação justifica a afluência de queixas noticiada. Concretamente, a poluição sonora consiste na emissão de ruído de forma excessiva por ultrapassar os níveis legalmente impostos de maneira continuada, e que pode causar, num determinado espaço de tempo, prejuízo à saúde humana e ao bem-estar da comunidade, bem como dos animais. É verificado de forma particular no contexto urbano, mas o avanço civilizacional e o encurtamento de distâncias possibilitado pelos transportes torna a poluição sonora num problema a escala global.

 No que toca às consequências, foram verificadas situações como problemas cardíacos, dificuldades de compreensão, surdez, zumbido nos ouvidos, distúrbios no sono e principalmente o incómodo generalizado que o ruído provoca à comunidade, principalmente no período nocturno de descanso. De facto, segundo um estudo da Federação Europeia para os Transportes e Ambiente, o excesso de ruído rodoviário e ferroviário provoca todos os anos cerca de 50 mil mortes por ataque cardíaco na União Europeia e doenças de coração a mais de 200 mil cidadãos europeus. Ao todo a poluição sonora custa cerca de 40 mil milhões de euros em cuidados de saúde aos contribuintes europeus. Portugal é o terceiro país da UE mais afectado, com 27,4% da população atingida, atrás apenas da Holanda (34,7%) e da Itália (34,1%). O último lugar é ocupado pela Irlanda (9,7%).

Podemos afirmar que, de acordo com a tutela oferecida pelo nosso ordenamento jurídico, existe um efetivo direito ao silêncio, que merece tutela penal. De facto, o art. 279º N.º 1 c) do Código Penal dignifica o bem jurídico do bem-estar da comunidade ao proteger as pessoas da poluição sonora, oferecendo uma moldura penal de pena de prisão até três anos ou pena de multa até 600 dias. A disposição faz menção a disposições legais ou regulamentares que, no caso da poluição sonora, remetem para o Regulamento Geral do Ruído, aprovado pelo D.L. N.º 9/2007 de 17 de Janeiro. Este diploma estabelece que a prevenção do ruído para a salvaguarda do bem-estar da comunidade constitui tarefa fundamental do Estado, em consonância com os princípios constitucionais vigentes e os princípios estruturantes definidos pela Lei de Bases do Ambiente.

Desta forma, sendo a poluição sonora o tipo de poluição que porventura costuma receber menos atenção na discussão acerca da prevenção do dano ecológico – principalmente por causa dos “gigantes” das alterações climáticas e efeito de estufa, cujo impacto é muito mais visível – os seus efeitos não são nem por isso menos nefastos, pelo que a distribuição dos esforços deve ser reorientada. 

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