segunda-feira, 14 de maio de 2012


O direito-dever de utilização racional dos bens ambientais


 O Ambiente como direito e dever

Para começar, o dever de respeitar o ambiente é um dever fundamental proprio sensu, ou um dever autónomo, pois não tem contraponto em qualquer direito. De facto, e ao contrário do que se possa pensar, o dever de respeitar o ambiente não é a obrigação que impende sobre os sujeitos passivos do direito ao ambiente. Isto é, o dever fundamental de respeitar o ambiente e o direito fundamental ao ambiente não são realidades simétricas, não são a posição jurídica passiva da correspondente posição jurídica activa. Pelo contrário, estamos perante realidades que, embora dizendo respeito ao ambiente, são autónomas.

No entanto, apesar de estruturalmente autónomos, o direito ao ambiente e o dever de respeitar o ambiente estão - indiscutivelmente - associados. Esta associação não visa excluir a liberdade de exercício do direito ao ambiente, ou torná-lo obrigatório; visa - isso sim - atingir uma protecção mais completa e mais eficaz (por diferentes vias jurídicas) do ambiente.
Nestes termos, e atendendo à sua íntima conexão com um dever fundamental (o qual visa satisfazer interesses comunitários), o direito ao ambiente constitui um exemplo típico dos supra referidos "direitos de solidariedade", "direitos poligonais" ou "direitos circulares". Vieira de Andrade, por exemplo, refere-se expressamente ao direito ao ambiente como um "direito de solidariedade”. E Casalta Nabais chega mesmo a falar do direito fundamental ao ambiente como um "direito boomerang". Ora, tudo isto resulta - sem sombra de dúvidas - da articulação entre direito e dever que é efectuada pelo art.º 66.º da Constituição. É esta articulação que permite que o direito fundamental ao ambiente deixe de estar apenas ao serviço de interesses individualistas e egoísticos, colocando-se ao serviço da comunidade.

Em bom rigor, o art.º 66.º, n.º 1 (in fine) da Constituição Portuguesa de 1976 consagra, de forma muito nítida, um dever fundamental - que impende sobre todos os cidadãos - de proteger e respeitar o ambiente. Trata-se, contudo, de um mecanismo constitucional pouco conhecido e pouco estudado.  É por isso que se compreende que, até hoje, o enquadramento constitucional do ambiente tenha sido feito - quase exclusivamente - em torno do direito fundamental ao ambiente, deixando o dever fundamental "na sombra".

No fundo, o dever de tutela do ambiente acresce, quer à tarefa estadual ou incumbência pública fundamental de protecção da natureza (art.º 9.º, alínea e) da Constituição), quer ao próprio direito de todos os cidadãos "a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado" (art.º 66.º, n.º 1 da Constituição), trazendo novas dimensões e novos contributos - da maior importância - que desenvolvem, completam e aperfeiçoam o tratamento constitucional do ambiente.

Além de incumbência constitucional, a Lei Fundamental traça para o ambiente uma
outra dimensão, subjectiva, que perpassa a do artigo 66º/1 .Olhando para esta
disposição, a primeira ideia que nos assalta é a da consagração de um direito subjectivo ao ambiente.

O que se pretende realçar é a “dificuldade que há em conciliar um bem cuja fruição pertence aos membros da comunidade em geral com a estrutura de direito subjectivo, que pressupõe a existência de um substrato susceptível de apropriação individual. Como nota Jorge Miranda, «não há, em rigor, um direito em que se não verifiquem poluição ou erosão» ou, nas palavras de Colaço Antunes, «o bem ambiente não se presta a uma função de troca e de alienação, mas a uma função de fruição colectiva».

N opinião de Carla Amado Gomes, o direito de cada cidadão a um ambiente «ecologicamente equilibrado» não é uma posição jurídica subjectiva que se traduz na susceptibilidade de aproveitamento individual de um determinado bem, mas antes na possibilidade de utilização desse bem, estreitamente aliada a um dever fundamental de, numa perspectiva de solidariedade, quer com os restantes membros da comunidade actualmente considerada, quer com as gerações futuras (cfr. o respeito do princípio da solidariedade entre gerações previsto na alínea d) do nº 2 do artigo 66º da Constituição).

Por um lado, o direito fundamental que a Constituição consagra tem uma dupla dimensão:

·         A obter do Estado adequada protecção dos bens ambientais através de prestações normativas que previnam e sancionem actuações lesivas

·         A que o Estado desenvolva acções de preservação e de promoção dos bens ambientais (nessa vertente, traduz-se num direito económico, social e cultural, sujeito aos princípios de reserva do possível e da proibição do retrocesso, desde que tenha adquirido um grau de implantação social suficiente).

Por outro lado, a norma constitucional obriga os titulares da posição jurídica activa de uso dos bens ambientais ao dever genérico de preservação desses bens, numa
lógica comunitária de presente e de futuro. Esta contraposição entre direito a usar/dever de preservar é uma consequência da garantia de aproveitamento de um bem cuja fruição cabe a todos os membros da comunidade e pela qual todos devem responsabilizar-se.

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