Tendo
em conta a publicação feita anteriormente por mim neste blog em relação à temática da reparação dos danos ecológicos e ao
desenvolvimento das aulas práticas em torno deste tema, achei agora relevante
aprofundá-lo, procedendo à análise de algumas questões suscitadas pelo Decreto-lei
147/2008, de 29 de Julho. Para além disso, tal impõe-se, sem dúvida nenhuma,
porque o homem, devido à sua mortalidade encara este dano como superficial,
sacrificando a integridade dos recursos ecológicos ao conforto e ao lucro. E é
altura de mudar esse pensamento e de o homem assumir a obrigação primordial de prevenção
e responsabilidade civil por dano ecológico, reconhecendo este diploma como um
instrumento fundamental da salvaguarda das condições de sobrevivência na Terra.
Com efeito, este Decreto-Lei em observação estabelece assim, o regime jurídico
da responsabilidade por estes danos e transpõe para a ordem jurídica interna a
Directiva nº 2004/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Outubro,
que aprovou este regime, com base no já estudado princípio do poluidor-pagador.
Todavia neste momento, este Decreto não se mantém tal como foi elaborado
inicialmente. Pelo contrário, já foi alvo de algumas alterações, existindo já
três versões suas, que passo então a enunciá-las:
·
1º Versão (DL nº 147/2008, de 29/07)
·
2º Versão (DL nº 245/2009, de 22/09)
·
3º Versão (DL nº 29-A/2011, de 01/03)
Numa primeira abordagem ao diploma, cumpre salientar que
este se divide em cinco capítulos, tendo ainda presente de forma complementar
mais seis anexos. Todavia, não é preciso ir-se muito longe, para conseguirmos
obter as ideias chaves deste regime, já que o seu Preâmbulo é bastante rico.
Podemos mesmo dizer, que traduz e explica, de forma notória, alguns dos seus
propósitos. Deste modo, é realmente indispensável estudá-lo. Logo na primeira
concepção, ele nos dá pistas fundamentais do seu âmbito de aplicação e
demonstra-nos igualmente o relacionamento existente entre si e a Lei de Bases
do Ambiente. No que toca à primeira conjuntura, faz-se finalmente a
autonomização do dano ecológico face ao dano ambiental. Assim, existe um dano
ecológico quando um bem jurídico ecológico é perturbado, ou quando um
determinado estado-dever de um componente do ambiente é alterado negativamente.
Quanto à segunda realidade, é nos patenteado no parágrafo 5º a referência feita
aos artigos 41º e 48º da LBA. E deve, sem dúvida nenhuma, tê-la sempre em
conta, pois dela opera o seu desenvolvimento. Se não vejamos: Segundo o artigo
11º, nº 1, alínea a), restringe-se os danos ecológicos aos danos das espécies
protegidas, da água e do solo. E então, onde se integram os danos ecológicos
que atingem o ar e o subsolo? Temos duas soluções possíveis: ou se conclui que este decreto-lei padece de ilegalidade reforçada, segundo
os artigos 280º, nº 2, alínea a) e 281º, alínea b) da Constituição, por afronta
da LBA; ou, em nome de uma interpretação frutuosa se procede a uma leitura deste
regime conforme à LBA e à Constituição, considerando dano ecológico também a
degradação significativa, concreta, mensurável e imputável a um ou vários
operadores das condições ecológicas do ar e do subsolo, sujeitando estas lesões
ao regime de prevenção e reparação instituído por este diploma.
O princípio da prevenção que pontifica no Direito do Ambiente justifica
esta visão, uma vez que dada a fragilidade de muitos bens naturais, as ofensas
à sua integridade podem revelar-se irreversíveis, sobretudo quando não
regeneráveis. É então de concluir, que
estes também devem ser integrados, pois se assim não for, está-se a proceder a uma distinção, parecendo existir bens ambientais naturais de primeira
linha e de segunda e a quebrar a coerência que existe no âmbito do Direito
do Ambiente.
Quanto ao âmbito subjectivo do regime em análise é de ter
em conta a noção de operador presente no artigo 11º, nº 1, alínea l) e o artigo
13º. Através da sua conjugação, percebemos que resulta a imputação do operador
de quaisquer danos provocados às espécies de zonas protegidas e ainda à água e
ao solo. Ou seja, o alargamento do universo de danos possíveis estende
correlativamente o universo de operadores potencialmente responsáveis. Quanto à
referência feita da lista de actividades descritas no anexo III, esta só é
relevante para se aferir a responsabilidade objectiva. Logo, nesta conjuntura,
não se restringe a responsabilização por facto ilícito apenas aos operadores
destas actividades, mas a todos aqueles que provoquem os danos anteriormente
enunciados. No fundo, existe responsabilização por quaisquer danos ecológicos,
desde que enquadrados no disposto do artigo 11º, nº 1, alínea e). Ainda neste
âmbito, se coloca a dúvida de saber quem tem os deveres de prevenção, previstos
no artigo 14º e de reparação, caso existam vários operadores envolvidos numa
actividade que cause danos. A esta questão, parece que se tem apontado no
sentido de tais deveres pertencerem à entidade que exerce poderes decisivos
sobre o funcionamento técnico e económico. Tal solução tem apoio na letra da
lei, se observarmos a noção de operador.
Já no que diz respeito ao âmbito objectivo do diploma são abrangidos os danos ecológicos causados à água, ao
solo e às espécies e habitats protegidos pelo ordenamento nacional. O DL 147/2008
até foi mais além nesta realidade, uma vez que a directiva apenas protegia as espécies
e habitats protegidos ao abrigo da Rede Natura 2000. No entanto, nunca é de
mais relembrar o que já foi referido precedentemente: deve-se fazer uma
interpretação conforme à LBA, incluindo o ar e o subsolo. Por fim e tendo em
conta esta linha sistemática, este regime desconsidera os danos difusos, sempre
que não seja possível estabelecer um nexo de causalidade entre uma actividade e
a sua ocorrência, de acordo com o artigo 6º. Para além disso, afasta a sua
aplicação a danos provocados por actividades concluídas antes de expirar o
prazo de transposição da directiva (artigo 35º) e consagra uma norma especial
sobre prescrição, fixando em trinta anos o prazo de prescrição para efectivação
de acção de responsabilidade civil por dano ecológico (artigo 33º).
Quanto à noção de responsabilidade
plasmada no decreto-lei, estamos perante uma noção ampla, devido ao princípio
basilar do Direito do Ambiente: o princípio da prevenção. Não nos esqueçamos
que qualquer interferência no meio ambiente é susceptível de causar danos sendo
estes muitas vezes irreversíveis. Há então de considerar uma dupla vertente:
uma vertente preventiva e uma vertente reparadora ou compensadora. A vertente
preventiva consubstancia-se no dever de adopção de medidas previstas no artigo
14º, que são exigidas quando existe ameaça iminente de um dano ecológico ou de
novos danos subsequentes a uma lesão já ocorrida. Esta iminência consiste num
conjunto de pressupostos que estando todos reunidos, tornem verosímil e
provável, com grau de certeza razoável, a ocorrência de um dano (artigo 5º e 11º,
nº 1, alínea b). Segundo o artigo 14º, nº 3, estas medidas têm de obedecer aos
requisitos do Anexo V. De referir ainda, que a prevenção dos danos ecológicos é
irrenunciável e traduz-se num poder-dever da Agência Portuguesa do Ambiente.
Tal conjuntura pode ser confirmada no artigo 29º. No que diz respeito à
vertente reparadora, prevista nos artigos 15º e 16º e no Anexo V, esta pode
relevar-se em duas modalidades, podendo ser realizada por iniciativa da entidade
competente, devido à insuficiência do operador ou da sua omissão, ou por
iniciativa do operador que submete uma proposta com medidas de reparação,
devendo a entidade competente decidir e fixar as medidas. Quanto à primeira,
segundo o artigo 16º, nº 2, as medidas são tomadas depois de se ouvir o
operador, assim como os restantes interessados e ainda se for imprescindível, autoridades
com competência de tutela, especialmente aptas no sector em questão, tal como
dispõe o nº 4 do mesmo artigo em análise. No que diz respeito ao segundo
modelo, a entidade competente deve do mesmo modo e ainda que a lei não o diga
expressamente convidar os interessados a pronunciar-se e emitir uma decisão
final, fixando as medidas a cargo do operador de acordo com os critérios
definidos no anexo V. Acresce que em situações de extrema urgência a entidade
competente pode prescindir deste procedimento nos termos do artigo 17º, nº 2.
No
âmbito do artigo 18º é fixada a legitimidade para se apresentar à autoridade
competente observações relativas a situações de danos ambientais, ou de ameaça
iminente desses danos. Tal conjuntura é reflectida através de três situações:
quando exista um dano pessoal ou patrimonial colateral, actual ou provável
(alínea a); quando exista um dano patrimonial directo, actual ou provável
(alínea c); ou quando haja um dano exclusivamente
ecológico, denunciável por actor popular (artigo 2º, nº 1 da Lei 83/95 e artigo
53º, nº 2 do CPTA) a cujo elenco se deve aditar o Ministério Público (artigo
9º, nº 2 do CPTA). Já no que diz respeito à possibilidade de os operadores
serem dispensados da obrigação do pagamento, o legislador consagra essa
possibilidade no respectivo artigo 20º. Cumpre ainda referir mais duas conjunturas:
primeiro o artigo 22º impôs a um conjunto de operadores a obrigação de
constituírem garantias financeiras que lhes permita assumir a responsabilidade
ambiental inerente à actividade que desenvolvem, opção esta que tinha sido
deixada em aberto pela Directiva, mas que era já imposta pela Lei de Bases do
Ambiente, e que se revela essencial para uma eficaz reparação dos danos
ambientais; segundo, que o anexo V vem iluminar o lote de
medidas necessárias à reconstituição da situação actual hipotética, de preferência
através de medidas de reparação natural. Esclarecidas ficaram igualmente as
interrogações relativas ao destino de indemnizações pecuniárias que resultem de
acções de condenação a cessação da conduta lesiva e respectiva indemnização por
danos propostas por autores populares: revertem para o fundo de intervenção
ambiental e ficam afectas a projectos de recuperação desses bens.
Paralelamente,
este decreto-lei cria diversos ilícitos contra-ordenacionais fundados no não
cumprimento das suas disposições, designadamente constituindo ilícito dessa
natureza a não prestação de informações relacionadas com o dano ambiental do
qual se tomou conhecimento ou com a proximidade da respectiva verificação. De
acordo com este regime, os processos por responsabilidade ambiental e os
processos por responsabilidade contra-ordenacional ocorrem em separado, sendo indispensável,
salientar entre outras pendências, que foi criado um regime de aproveitamento
de prova sui generis segundo o qual
os elementos probatórios produzidos num processo podem ser utilizados noutro
processo a pedido de qualquer uma das partes.
Com
efeito, este decreto-lei veio então dar resposta a alguns problemas essenciais.
Veio regular a responsabilidade civil ambiental tanto objectiva (artigo 7º),
como subjectiva (artigo 8º) e isto tanto no respeitante a danos
efectivamente provocados como em relação a ameaças de lesão (artigo 12º artigo
13º). Estamos pois perante um regime jurídico que engloba assim tanto as
categorias clássicas da responsabilidade por factos ilícitos como pelo risco e
pelo prejuízo ou acto lícito. De referir ainda dentro desta temática, que o diploma consagrou igualmente um regime de responsabilidade
solidária, tanto entre comparticipantes, como entre as pessoas colectivas e os
respectivos directores, gerentes ou administradores, o que permite uma
reparação dos danos mais eficaz e célere do que o regime de responsabilidade
conjunta. Para além disso, adoptou uma teoria da
causalidade ambientalmente adequada que supera a rigidez do paradigma
tradicional (artigo 5º). Agora, o nexo de causalidade em matéria de
responsabilidade ambiental passa a assentar num preceito de verossimilhança e
de probabilidade que deve tomar em consideração as circunstâncias do caso
concreto o grau de risco e de perigo e a normalidade da acção lesiva; assim
como a possibilidade de prova científica do percurso causal e o cumprimento ou
não de deveres de protecção. Tal conjuntura faz relembrar um exemplo dado pelo Professor
Vasco Pereira da Silva, logo numa das primeiras aulas teóricas, para determinar
a responsabilidade civil pela "doença das vacas loucas" que vitimou John
Smith. Já não é preciso fazer uma prova complicada de modo a descobrir a
vaquinha Daisy infectada pela enfermidade e cujos bifes ele teria possivelmente
comido há cerca de três anos, bastando apenas provar que ele se alimentava frequentemente
de carne e que existem provas científicas de que a carne das vacas doentes pode
estimular tal doença nos humanos que a ingerem.
Para
terminar esta análise, é apenas de ressaltar que este regime é, sem sombra de
dúvidas, um importante mecanismo de protecção ambiental, que
contribui para com justiça e eficácia, prevenir os danos
em estudo. Quanto às dúvidas suscitadas pela sua interpretação em algumas
questões, basta esperar que não se origine um novo tipo de poluição: a poluição
normativa, conjecturada por Luciano Butti ("L'Ordinamento
Italiano ed il Principio «Che Inquina Paga»”, in: Rivista Giuridica
dell'Ambiente,
3, anno V 1990).
Na verdade, segundo este autor, aquilo que se espera é que pelo facto dos
destinatários das leis de protecção ambiental terem dificuldades em
interpretá-las, que isso não leve ao seu incumprimento, não se cumprindo
obrigações legais. Quanto a isso, cabe à doutrina o importante papel de prestar
os esclarecimentos necessários, evitando a
ocorrência desta poluição e contribuindo mesmo para o aperfeiçoamento do
Direito. E neste diploma, isso tem sido realmente levado a cabo, já que a
investigação de diversos juristas tem mesmo contribuído para a sua mais
irrepreensível acepção.
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