sábado, 5 de maio de 2012

O DL 147/2008, de 29 de Julho – Mecanismo de protecção ambiental



         Tendo em conta a publicação feita anteriormente por mim neste blog em relação à temática da reparação dos danos ecológicos e ao desenvolvimento das aulas práticas em torno deste tema, achei agora relevante aprofundá-lo, procedendo à análise de algumas questões suscitadas pelo Decreto-lei 147/2008, de 29 de Julho. Para além disso, tal impõe-se, sem dúvida nenhuma, porque o homem, devido à sua mortalidade encara este dano como superficial, sacrificando a integridade dos recursos ecológicos ao conforto e ao lucro. E é altura de mudar esse pensamento e de o homem assumir a obrigação primordial de prevenção e responsabilidade civil por dano ecológico, reconhecendo este diploma como um instrumento fundamental da salvaguarda das condições de sobrevivência na Terra. Com efeito, este Decreto-Lei em observação estabelece assim, o regime jurídico da responsabilidade por estes danos e transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva nº 2004/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Outubro, que aprovou este regime, com base no já estudado princípio do poluidor-pagador. Todavia neste momento, este Decreto não se mantém tal como foi elaborado inicialmente. Pelo contrário, já foi alvo de algumas alterações, existindo já três versões suas, que passo então a enunciá-las:

·         1º Versão (DL nº 147/2008, de 29/07)
·         2º Versão (DL nº 245/2009, de 22/09)
·         3º Versão (DL nº 29-A/2011, de 01/03)

         Numa primeira abordagem ao diploma, cumpre salientar que este se divide em cinco capítulos, tendo ainda presente de forma complementar mais seis anexos. Todavia, não é preciso ir-se muito longe, para conseguirmos obter as ideias chaves deste regime, já que o seu Preâmbulo é bastante rico. Podemos mesmo dizer, que traduz e explica, de forma notória, alguns dos seus propósitos. Deste modo, é realmente indispensável estudá-lo. Logo na primeira concepção, ele nos dá pistas fundamentais do seu âmbito de aplicação e demonstra-nos igualmente o relacionamento existente entre si e a Lei de Bases do Ambiente. No que toca à primeira conjuntura, faz-se finalmente a autonomização do dano ecológico face ao dano ambiental. Assim, existe um dano ecológico quando um bem jurídico ecológico é perturbado, ou quando um determinado estado-dever de um componente do ambiente é alterado negativamente. Quanto à segunda realidade, é nos patenteado no parágrafo 5º a referência feita aos artigos 41º e 48º da LBA. E deve, sem dúvida nenhuma, tê-la sempre em conta, pois dela opera o seu desenvolvimento. Se não vejamos: Segundo o artigo 11º, nº 1, alínea a), restringe-se os danos ecológicos aos danos das espécies protegidas, da água e do solo. E então, onde se integram os danos ecológicos que atingem o ar e o subsolo? Temos duas soluções possíveis: ou se conclui que este decreto-lei padece de ilegalidade reforçada, segundo os artigos 280º, nº 2, alínea a) e 281º, alínea b) da Constituição, por afronta da LBA; ou, em nome de uma interpretação frutuosa se procede a uma leitura deste regime conforme à LBA e à Constituição, considerando dano ecológico também a degradação significativa, concreta, mensurável e imputável a um ou vários operadores das condições ecológicas do ar e do subsolo, sujeitando estas lesões ao regime de prevenção e reparação instituído por este diploma. O princípio da prevenção que pontifica no Direito do Ambiente justifica esta visão, uma vez que dada a fragilidade de muitos bens naturais, as ofensas à sua integridade podem revelar-se irreversíveis, sobretudo quando não regeneráveis. É então de concluir, que estes também devem ser integrados, pois se assim não for, está-se a proceder a uma distinção, parecendo existir bens ambientais naturais de primeira linha e de segunda e a quebrar a coerência que existe no âmbito do Direito do Ambiente.
         Quanto ao âmbito subjectivo do regime em análise é de ter em conta a noção de operador presente no artigo 11º, nº 1, alínea l) e o artigo 13º. Através da sua conjugação, percebemos que resulta a imputação do operador de quaisquer danos provocados às espécies de zonas protegidas e ainda à água e ao solo. Ou seja, o alargamento do universo de danos possíveis estende correlativamente o universo de operadores potencialmente responsáveis. Quanto à referência feita da lista de actividades descritas no anexo III, esta só é relevante para se aferir a responsabilidade objectiva. Logo, nesta conjuntura, não se restringe a responsabilização por facto ilícito apenas aos operadores destas actividades, mas a todos aqueles que provoquem os danos anteriormente enunciados. No fundo, existe responsabilização por quaisquer danos ecológicos, desde que enquadrados no disposto do artigo 11º, nº 1, alínea e). Ainda neste âmbito, se coloca a dúvida de saber quem tem os deveres de prevenção, previstos no artigo 14º e de reparação, caso existam vários operadores envolvidos numa actividade que cause danos. A esta questão, parece que se tem apontado no sentido de tais deveres pertencerem à entidade que exerce poderes decisivos sobre o funcionamento técnico e económico. Tal solução tem apoio na letra da lei, se observarmos a noção de operador.
        Já no que diz respeito ao âmbito objectivo do diploma são abrangidos os danos ecológicos causados à água, ao solo e às espécies e habitats protegidos pelo ordenamento nacional. O DL 147/2008 até foi mais além nesta realidade, uma vez que a directiva apenas protegia as espécies e habitats protegidos ao abrigo da Rede Natura 2000. No entanto, nunca é de mais relembrar o que já foi referido precedentemente: deve-se fazer uma interpretação conforme à LBA, incluindo o ar e o subsolo. Por fim e tendo em conta esta linha sistemática, este regime desconsidera os danos difusos, sempre que não seja possível estabelecer um nexo de causalidade entre uma actividade e a sua ocorrência, de acordo com o artigo 6º. Para além disso, afasta a sua aplicação a danos provocados por actividades concluídas antes de expirar o prazo de transposição da directiva (artigo 35º) e consagra uma norma especial sobre prescrição, fixando em trinta anos o prazo de prescrição para efectivação de acção de responsabilidade civil por dano ecológico (artigo 33º).
         Quanto à noção de responsabilidade plasmada no decreto-lei, estamos perante uma noção ampla, devido ao princípio basilar do Direito do Ambiente: o princípio da prevenção. Não nos esqueçamos que qualquer interferência no meio ambiente é susceptível de causar danos sendo estes muitas vezes irreversíveis. Há então de considerar uma dupla vertente: uma vertente preventiva e uma vertente reparadora ou compensadora. A vertente preventiva consubstancia-se no dever de adopção de medidas previstas no artigo 14º, que são exigidas quando existe ameaça iminente de um dano ecológico ou de novos danos subsequentes a uma lesão já ocorrida. Esta iminência consiste num conjunto de pressupostos que estando todos reunidos, tornem verosímil e provável, com grau de certeza razoável, a ocorrência de um dano (artigo 5º e 11º, nº 1, alínea b). Segundo o artigo 14º, nº 3, estas medidas têm de obedecer aos requisitos do Anexo V. De referir ainda, que a prevenção dos danos ecológicos é irrenunciável e traduz-se num poder-dever da Agência Portuguesa do Ambiente. Tal conjuntura pode ser confirmada no artigo 29º. No que diz respeito à vertente reparadora, prevista nos artigos 15º e 16º e no Anexo V, esta pode relevar-se em duas modalidades, podendo ser realizada por iniciativa da entidade competente, devido à insuficiência do operador ou da sua omissão, ou por iniciativa do operador que submete uma proposta com medidas de reparação, devendo a entidade competente decidir e fixar as medidas. Quanto à primeira, segundo o artigo 16º, nº 2, as medidas são tomadas depois de se ouvir o operador, assim como os restantes interessados e ainda se for imprescindível, autoridades com competência de tutela, especialmente aptas no sector em questão, tal como dispõe o nº 4 do mesmo artigo em análise. No que diz respeito ao segundo modelo, a entidade competente deve do mesmo modo e ainda que a lei não o diga expressamente convidar os interessados a pronunciar-se e emitir uma decisão final, fixando as medidas a cargo do operador de acordo com os critérios definidos no anexo V. Acresce que em situações de extrema urgência a entidade competente pode prescindir deste procedimento nos termos do artigo 17º, nº 2.
        No âmbito do artigo 18º é fixada a legitimidade para se apresentar à autoridade competente observações relativas a situações de danos ambientais, ou de ameaça iminente desses danos. Tal conjuntura é reflectida através de três situações: quando exista um dano pessoal ou patrimonial colateral, actual ou provável (alínea a); quando exista um dano patrimonial directo, actual ou provável (alínea c); ou quando haja um dano exclusivamente ecológico, denunciável por actor popular (artigo 2º, nº 1 da Lei 83/95 e artigo 53º, nº 2 do CPTA) a cujo elenco se deve aditar o Ministério Público (artigo 9º, nº 2 do CPTA). Já no que diz respeito à possibilidade de os operadores serem dispensados da obrigação do pagamento, o legislador consagra essa possibilidade no respectivo artigo 20º. Cumpre ainda referir mais duas conjunturas: primeiro o artigo 22º impôs a um conjunto de operadores a obrigação de constituírem garantias financeiras que lhes permita assumir a responsabilidade ambiental inerente à actividade que desenvolvem, opção esta que tinha sido deixada em aberto pela Directiva, mas que era já imposta pela Lei de Bases do Ambiente, e que se revela essencial para uma eficaz reparação dos danos ambientais; segundo, que o anexo V vem iluminar o lote de medidas necessárias à reconstituição da situação actual hipotética, de preferência através de medidas de reparação natural. Esclarecidas ficaram igualmente as interrogações relativas ao destino de indemnizações pecuniárias que resultem de acções de condenação a cessação da conduta lesiva e respectiva indemnização por danos propostas por autores populares: revertem para o fundo de intervenção ambiental e ficam afectas a projectos de recuperação desses bens. 
          Paralelamente, este decreto-lei cria diversos ilícitos contra-ordenacionais fundados no não cumprimento das suas disposições, designadamente constituindo ilícito dessa natureza a não prestação de informações relacionadas com o dano ambiental do qual se tomou conhecimento ou com a proximidade da respectiva verificação. De acordo com este regime, os processos por responsabilidade ambiental e os processos por responsabilidade contra-ordenacional ocorrem em separado, sendo indispensável, salientar entre outras pendências, que foi criado um regime de aproveitamento de prova sui generis segundo o qual os elementos probatórios produzidos num processo podem ser utilizados noutro processo a pedido de qualquer uma das partes.
             Com efeito, este decreto-lei veio então dar resposta a alguns problemas essenciais. Veio regular a responsabilidade civil ambiental tanto objectiva (artigo 7º), como subjectiva (artigo 8º) e isto tanto no respeitante a danos efectivamente provocados como em relação a ameaças de lesão (artigo 12º artigo 13º). Estamos pois perante um regime jurídico que engloba assim tanto as categorias clássicas da responsabilidade por factos ilícitos como pelo risco e pelo prejuízo ou acto lícito. De referir ainda dentro desta temática, que o diploma consagrou igualmente um regime de responsabilidade solidária, tanto entre comparticipantes, como entre as pessoas colectivas e os respectivos directores, gerentes ou administradores, o que permite uma reparação dos danos mais eficaz e célere do que o regime de responsabilidade conjunta. Para além disso, adoptou uma teoria da causalidade ambientalmente adequada que supera a rigidez do paradigma tradicional (artigo 5º). Agora, o nexo de causalidade em matéria de responsabilidade ambiental passa a assentar num preceito de verossimilhança e de probabilidade que deve tomar em consideração as circunstâncias do caso concreto o grau de risco e de perigo e a normalidade da acção lesiva; assim como a possibilidade de prova científica do percurso causal e o cumprimento ou não de deveres de protecção. Tal conjuntura faz relembrar um exemplo dado pelo Professor Vasco Pereira da Silva, logo numa das primeiras aulas teóricas, para determinar a responsabilidade civil pela "doença das vacas loucas" que vitimou John Smith. Já não é preciso fazer uma prova complicada de modo a descobrir a vaquinha Daisy infectada pela enfermidade e cujos bifes ele teria possivelmente comido há cerca de três anos, bastando apenas provar que ele se alimentava frequentemente de carne e que existem provas científicas de que a carne das vacas doentes pode estimular tal doença nos humanos que a ingerem.
        Para terminar esta análise, é apenas de ressaltar que este regime é, sem sombra de dúvidas, um importante mecanismo de protecção ambiental, que contribui para com justiça e eficácia, prevenir os danos em estudo. Quanto às dúvidas suscitadas pela sua interpretação em algumas questões, basta esperar que não se origine um novo tipo de poluição: a poluição normativa, conjecturada por Luciano Butti ("L'Ordinamento Italiano ed il Principio «Che Inquina Paga»”, in: Rivista Giuridica dell'Ambiente, 3, anno V 1990). Na verdade, segundo este autor, aquilo que se espera é que pelo facto dos destinatários das leis de protecção ambiental terem dificuldades em interpretá-las, que isso não leve ao seu incumprimento, não se cumprindo obrigações legais. Quanto a isso, cabe à doutrina o importante papel de prestar os esclarecimentos necessários, evitando a ocorrência desta poluição e contribuindo mesmo para o aperfeiçoamento do Direito. E neste diploma, isso tem sido realmente levado a cabo, já que a investigação de diversos juristas tem mesmo contribuído para a sua mais irrepreensível acepção.

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