segunda-feira, 14 de maio de 2012



Os Embargos Administrativos na Lei de Bases do Ambiente – Em busca da competência para os "Embargos Ambientais"

No domínio do Direito do Ambiente, o único meio jurisdicional específico para a defesa dos direitos subjectivos das relações jurídicas multilaterais (relações em que existem várias partes, em que a Administração e os diferentes particulares se envolvem numa rede de ligações jurídicas, de que resultam direitos e deveres recíprocos), encontra-se previsto na Lei de Bases do Ambiente (Lei nº 13/ 2002 de 19 de Fevereiro), sob a denominação de Embargos Administrativos (art. 42º da referida Lei).

É relativamente pacífico entre a doutrina que a existência de embargos de ambiente é, em grande medida, uma construção de juristas, já que a regulação da Lei de Bases do ambiente é, de certa forma, incompleta, insatisfatória e obriga a doutrina a um esforço acrescido de preservação jurídica ambiental, procurando reconstruir a intenção do legislador e tentando dar conteúdo útil a tais normas jurídicas. Existem diversos problemas associados aos embargos administrativos, nomeadamente:
- Consistirão os embargos administrativos numa forma de actuação da Administração ou num meio jurisdicional?
- São um procedimento administrativo ou um processo judicial?

Em relação à primeira questão, o legislador também não oferece soluções que apresentem muita exactidão, sendo por vezes contraditório: a denominação “embargos administrativos” aponta para a consideração de que se trata de um meio administrativo; por outro lado, mais adiante, no art. 45º da Lei, o legislador aponta para a consideração de que será, potencialmente, um meio judicial. Neste último sentido, Freitas do Amaral vem dizer que esta é uma contradição insanável, uma vez que não há nenhum processo de embargos administrativos que seja da competência dos tribunais: ou há embargos administrativos que são da competência da Administração activa, ou há embargos judiciais, que são da competência dos tribunais judiciais. O Autor propõe assim que se faça uma interpretação correctiva do preceito e se considere que ele se refere a processo judicial (pois o legislador atribui os “embargos de ambiente” à competência de um tribunal) e não a um procedimento administrativo.

O preceito apresenta ainda outro problema: encontra-se previsto na Lei de Bases, mas não foi desenvolvido em legislação posterior. Na opinião do Professor Vasco Pereira da Silva, a solução passa por uma de duas opções: ou se considera que este meio só se tornará efectivo quando for integralmente regulado, ou então ter-se-á que procurar fazer corresponder a dita previsão legal a um meio contencioso pré- existente, de forma a garantir a imediata tutela dos direitos subjectivos no domínio do ambiente. O Exmo. Professor refere que, de sua justiça, esta última opção é a mais adequada, uma vez que está aqui em causa a protecção de direitos subjectivos de uma relação jurídica que é conformada pelo direito fundamental ao ambiente.

A segunda questão prende-se com o facto de não ser possível determinar se o processo em causa será um processo administrativo ou um processo judicial. Ora, na anterior versão da Lei 13/2002, 19 Fevereiro (a Lei nº 11/87 de 7 Abril), o seu art. 45º determinava que a competência para conhecer dos embargos administrativos era dos tribunais judiciais, comuns. Na versão actual, não só não é dita de “quem” é a competência como também não existe na lei algum critério de delimitação negativa com o intuito de dizer “quem não é” competente. E mais, ainda se acrescenta que o Ministério Público tem competência para exercer as acções necessárias à defesa dos valores da Lei (actual art. 45º, nº 1 das Lei de Bases), como também determina que qualquer pessoa singular e algumas pessoas colectivas mencionadas no diploma, também o poderão fazer (art. 45º, nº 2 da Lei). Ora, a epígrafe do actual art. 45º da Lei de Bases, denomina-se: tutela judicial (e não tutela administrativa). Fora este artigo, não há mais nenhuma menção à legitimidade da tutela e muito menos à competência para conhecer dos embargos. Logo permanece incógnito o tribunal competente.

Podemos tentar no entanto encontrar alguma solução para este problema: os embargos, na generalidade da sua essência, são reconhecidos como um meio processual judicial a partir do qual alguém os utiliza tendo como causa de pedir a violação de um direito subjectivo e como pedido a suspensão da actividade que está a lesar a esfera jurídica do lesado em causa. Ora, um embargo administrativo (ou “ambiental”) será, à partida, um meio processual, utilizado no âmbito de um procedimento administrativo servindo este para tutelar aqueles que se julguem ofendidos nos seus direitos a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado. O objectivo do embargo é paralisar (suspender) a actividade causadora do dano na esfera jurídica de alguém.

Se jogarmos com esta argumentação, juntando-lhe o facto de o legislador apenas mencionar a questão da tutela no art. 45º da Lei e dissermos que a epígrafe deste artigo denomina-se “tutela judicial”; vamos chegar à conclusão que o legislador poderá ter atribuído, tacitamente, competência aos tribunais judiciais, comuns. Ou pensamos isto, ou então que o legislador achou que o silêncio poderia fazer o intérprete subsumir a competência à Administração. Por uma razão de lógica. No entanto onde o legislador não distingue, não cabe ao intérprete distinguir, o que parece então deixar-nos com a impressão de que a competência será dos tribunais judiciais, comuns e como tal consubstanciando os embargos ambientais um meio materialmente jurisdicional e respectivo processo, um processo judicial.



Bibliografia:
- Amaral, D.F. (1994). Lei de Bases do Ambiente e Lei das Associações de Defesa do Ambiente. Lisboa: “Direito do Ambiente” , Instituto Nacional de Administração
- Silva, V.P. (1997). Da Protecção Jurídica Ambiental – Os denominados Embargos Administrativos em Matéria de Ambiente. Lisboa: AAFDL
- Silva, V.P. (2002). Verde Cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente. Coimbra: Almedina

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