A Poluição Sonora: um atentado
a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado
I. Enquadramento Geral
A
jurisprudência tem decidido, de forma reiterada (vide acórdão recentemente proferido pelo STJ de 19-04-2012) que a produção ou emissão de ruídos, geradora de
poluição sonora, lesiva de direitos individuais e colectivos pode ser encarada
por três ópticas distintas: Primeiramente a do direito do ambiente, enquanto
causa de evidente poluição ambiental, sendo que este direito tem assente
primacial no próprio texto constitucional (66ºCRP em que garante a todos um
direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado) e é densificado em
leis avulsas, nomeadamente a Lei de Bases do Ambiente (Lei nº11/87 de 7 de Abril,
com as alterações constantes do DL nº 224-A/96 de 26 de Novembro e da Lei
nº13/2002 de 19 de Fevereiro), fundamentalmente orientada para a protecção de
interesses colectivos ou difusos. Outra óptica a ter em conta prende-se com a
clássica visão da tutela do direito de propriedade no domínio das relações
jurídicas reais de vizinhança, permitindo ao proprietário de um prédio opor-se
às emissões provenientes de prédios vizinhos, que importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem
da utilização normal do prédio de que emanam (1346º C.Civil). Por último a
poluição sonora pode ainda colidir com os direitos fundamentais de
personalidade, consagrados, desde logo, no texto constitucional – direito à
integridade moral e física e ao livre desenvolvimento da personalidade (25º e
26º/1 CRP) e reiterados no Código Civil - artigo 70º, que consagra a tutela
geral da personalidade dos indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física
ou moral, sendo certo que o direito
ao repouso, ao sono e à tranquilidade de vida do individuo na sua própria casa
se configuram manifestamente como requisitos indispensáveis à realização do
direito à saúde é à qualidade de vida, constituindo emanação do referido
direito fundamental de personalidade.
Sendo que, estando no âmbito da disciplina de Direito do Ambiente, a presente análise vai incidir, como não poderia deixar de ser, na emissão de ruídos enquanto atentado ao direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado. Antes de mais, cabe fazer uma breve introdução e delimitação daquilo que é a poluição sonora.
II. Poluição Sonora: delimitação da figura
Ao abordarmos este tema, primeiramente há que fazer a destrinça entre dois elementos distintos que compõem o universo sonoro, são eles o som e o ruído. O som é produzido por qualquer alteração de pressão no ar. Assim, estamos sempre (ou quase sempre) em contacto directo com sons, que podem ser produzidos pelo ambiente que nos rodeia ou por nós próprios. Já o ruído é, em termos genéricos, um som indesejável, incomodativo, um som que constitui um obstáculo à concentração e comunicação. Um dos maiores problemas ambientas em todo o mundo é, precisamente, o ruído, facto este que se deve, fundamentalmente, à proliferação de indústrias e estabelecimentos comerciais, de actividades de lazer ruidosas, do tráfego (automóveis, motociclos, aviões, veículos pesados de passageiros e mercadorias, etc.) e de obras de construção civil.
Assim, e uma vez que o homem é um ser que é capaz de gerar e controlar sons e ruídos, a níveis altos e perturbadores, tornou-se necessário, também, a regulamentação das suas emissões, sendo que o ruído e a decorrente poluição sonora são hoje objecto de especial atenção por parte do legislador. Pessoas que ficam muito tempo expostas a grandes ruídos e sons degradantes são vitimadas por sérios problemas de saúde (perda da audição, interferência na comunicação e no sono, dores de cabeça e no corpo, distúrbios sexuais, dificuldade na execução de tarefas, dentre outros).
Em suma, a poluição sonora pode ser definida como a emissão de ruídos que vão para além dos níveis permitidos, de forma contínua e com o passar do tempo, causando deficiências ao bem- estar da sociedade e mais precisamente à saúde humana
III. Legislação Aplicável
Como meio de garantir a efectividade deste direito, que se concretiza sobretudo numa estrutura negativa, isto é, no direito de os particulares não verem a sua esfera jurídica afectada, o ruído e a sua emissão são hoje objecto de diversa legislação, sendo que muitas das leis abaixo indicadas são transmissões de directivas da União Europeia. Assim, podemos destacar os seguintes Decretos-lei:
Aprova o Regulamento Geral do Ruído.
Estabelece o regime de prevenção e controlo da poluição sonora, visando a
salvaguarda da saúde humana e o bem-estar das populações e aplica-se às
actividades ruidosas permanentes e temporárias e a outras fontes de ruído
susceptíveis de causar incomodidade.Contém disposições no âmbito do
planeamento municipal e da regulação da produção de ruído, com incidência em
planos municipais de ordenamento do território, operações urbanísticas,
instalação e exercício de actividades ruidosas permanentes, exercício de
actividades ruidosas temporárias, infra-estruturas de transporte e ruído de
vizinhança. Rectificado pela Declaração de Rectificação nº 18/2007, de 16 de
Março, e alterado pelo Decreto-Lei nº 278/2007, de 1 de Agosto.
Transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva nº 2005/88/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de Dezembro, que altera a Directiva nº 2000/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Maio. Estabelece as regras a aplicar em matéria de emissões sonoras de equipamento para utilização no exterior, de procedimentos de avaliação da conformidade, de regras sobre marcação do equipamento, de documentação técnica e de recolha de dados sobre as emissões sonoras para o ambiente, com vista a contribuir para a protecção da saúde e bem-estar das pessoas, bem como para o funcionamento harmonioso do mercado desse equipamento.
- Decreto-Lei nº 129/2002, de 11 de Maio (com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº96/2008 de 9 de Junho)
Aprova o Regulamento dos Requisitos Acústicos dos Edifícios. Visa regular a vertente do conforto acústico no âmbito do regime da edificação, e, em consequência, contribuir para a melhoria da qualidade do ambiente acústico e para o bem-estar e saúde das populações. As normas aplicam-se a edifícios habitacionais e mistos, edifícios comerciais, industriais ou de serviços, edifícios escolares e de investigação, edifícios hospitalares, recintos desportivos e estações de transporte de passageiros.
Transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva nº 2002/49/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Junho, relativa à avaliação e gestão do ruído ambiente, e é aplicável ao ruído ambiente a que os seres humanos se encontram expostos em zonas que incluam usos habitacionais, escolares, hospitalares ou similares, espaços de lazer, em zonas tranquilas de uma aglomeração, em zonas tranquilas em campo aberto e noutras zonas cujo uso seja sensível ao ruído e que seja produzido nas aglomerações ou por grandes infra-estruturas de transporte rodoviário, ferroviário ou aéreo.
Contém disposições que determinam a elaboração de mapas estratégicos de ruído relativos à exposição ao ruído ambiente exterior, a prestação de informação ao público sobre o ruído ambiente e seus efeitos e a aprovação de planos de acção baseados nos mapas estratégicos de ruído, a fim de prevenir e reduzir o ruído ambiente sempre que necessário e, em especial, quando os níveis de exposição sejam susceptíveis de provocar efeitos prejudiciais para a saúde humana e de preservar a qualidade do ambiente acústico.
IV. Considerações Finais
Toda esta legislação ajuda a limitar e a definir até onde o direito do particular a não ver a sua esfera jurídica afectada pode ir, concretizando o grau de subjectividade na percepção do som e na avaliação da incomodidade sonora. Nesta tarefa reveste especial importância o Regulamento Geral do Ruído, sendo que este regula minuciosamente os limites aos quais estão sujeitos a emissão de ruído. A violação dos limites aqui previstos constitui contra-ordenação ambiental (leve ou grave, consoante estejamos perante a previsão de algumas alíneas previstas no artigo 28º nº1 ou no nº2, respectivamente).
Posto isto, é de aplaudir a evolução legislativa acerca desta temática, já que a emissão (acima dos limites considerados aceitáveis) de ruídos pode causar diversos malefícios para a saúde, tanto a nível psicológico como físico. A título de curiosidade, veja- se que o ruído motivou o maior número de queixas ambientais apresentadas em 2007 ao Provedor de Justiça.
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