sexta-feira, 18 de maio de 2012

Tutela contenciosa do Ambiente

A tutela jurisdicional do ambiente assumiu, com a reforma do contencioso administrativo, um carácter predominantemente público, fruto da alteração introduzida ao artigo 45.º da LBA, pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, que aprovou o ETAF.
De acordo com este artigo, “sem prejuízo da legitimidade de quem se sinta ameaçado ou tenha sido lesado nos seus direitos, à actuação perante a jurisdição competente do correspondente direito à cessação da conduta ameaçadora ou lesiva e à indemnização pelos danos que dela possam ter resultado, ao abrigo do disposto no capítulo anterior, também ao Ministério Público compete a defesa dos valores protegidos pela presente lei, nomeadamente através da utilização dos mecanismos nela previstos.” Resulta, assim, que as questões ambientais, que até então estavam atribuídas à jurisdição comum, passam a pertencer à jurisdição administrativa quando o litígio ambiental seja jurídico-administrativo, isto é, tenha na sua base uma violação cometida por entidades públicas.
De acordo com as disposições conjugadas do artigo 212.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP), e dos artigos 1.º, n.º 1 e 4.º, n.º 1, alíneas b) e l), ambos do ETAF, são da competência dos tribunais administrativos, designadamente, os litígios em que esteja em causa a apreciação da validade de actos administrativos (como seja um acto autorizativo), ou a violação de normas de protecção do interesse ambiental por entidades públicas, quer porque produzem poluição acima dos limiares aceitáveis, quer por serem responsáveis pela adopção de um acto autorizativo que permite a um terceiro tal emissão, quer, ainda, por tal violação de normas se traduzir na omissão de fiscalização de instalações ou de actividades autorizadas.
Excluídas do âmbito da jurisdição administrativa estão os litígios entre privados e em que se pretende tutelar direitos de personalidade ou patrimoniais, e bem assim, aqueles em que a actuação lesiva da Administração constitui um ilícito penal ou contra-ordenacional (conforme artigo 4.º, n.º 1, alínea l), parte final, do ETAF). Pode colocar-se o problema de saber se a actividade lesiva decorrente da exploração clandestina de uma actividade por um privado, pode ser sindicada junto dos tribunais administrativos. Quanto a esta questão específica, sustenta Carla Amado Gomes que o Autor poderá captar o litígio para a jurisdição administrativa se demonstrar que alertou a administração para tal facto e esta nada fez, propondo a aplicação analógica do artigo 37.º, nº 3 do CPTA, admitindo-se, assim, o recurso à acção administrativa comum que deverá ser proposta contra o privado prevaricador e contra a Administração que não cumpriu com os seus deveres de fiscalização (feita a prova da inércia). No caso diverso de se tratar de uma actividade lesiva decorrente da exploração por um privado, com autorização validamente obtida, mas em desrespeito desta, defende a mesma autora que o lesado deverá intentar a acção junto dos tribunais comuns, salvo se pretender questionar a legalidade da autorização, ou a inércia da Administração alertada para a situação.
Na base do dano ecológico encontra-se uma ofensa ao bem público ambiente, tal determinará a propositura de acções administrativas comuns de condenação na abstenção de comportamentos lesivos do ambiente por parte do operador (nos termos do artigo 37.º, n.º 2, alínea c) e n.º 3 do CPTA), bem como, de acções administrativas comuns de efectivação de responsabilidade contra o operador (em eventual solidariedade com a Administração omissiva), nos termos do artigo 37.º, n.º 2, alínea f) do CPTA.
O dano ecológico dará lugar, primeiramente, à reparação “in natura”, sendo que, no caso de esta não ser “jurídica ou facticamente” possível haverá lugar à compensação pecuniária, podendo, em caso de inércia do lesante na execução das medidas, haver lugar a execução por terceiro ou a execução para pagamento de quantia certa, a qual reverterá para o Fundo de Intervenção Ambiental, conforme dispõe o artigo 6.º, nº 1, alínea d) do Decreto-Lei n.º 150/2008, de 30 de Junho.
Diversamente, no caso de estar em causa um dano pessoal ou patrimonial do autor da acção (o que “consumirá” a dimensão ecológica do bem violado), os tribunais competentes serão os tribunais judiciais, em virtude de a actuação lesiva não revestir natureza pública.
No caso de sobreposição entre a dimensão patrimonial e a dimensão ecológica, cumpre atentar no disposto no artigo 10.º do DL nº 147/2008 (RPRDE), que prescreve uma proibição de dupla reparação, uma vez que a reparação do dano ecológico – que é prioritária – pode satisfazer plenamente o interesse indemnizatório do lesado.
No que diz respeito à legitimidade para a propositura de acções de responsabilidade para tutela de danos ecológicos que não são individuais, há que começar por fazer referência à Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto - Lei da participação procedimental e da acção popular (doravante LAP), que define os termos em que pode ser exercido o direito de participação procedimental e o direito de acção popular dos interesses protegidos no artigo 52.º, n.º 3 da CRP e no artigo 1.º, n.º 2 da LAP.
O artigo 52.º, n.º 3 da CRP determina que a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, é conferido o direito de acção popular nomeadamente para promover a prevenção, a cessação ou perseguição judicial das infracções contra a preservação do ambiente.
Por seu lado, o artigo 12.º da LAP estabelece que o direito de acção popular tanto se concretiza no contencioso administrativo, como no contencioso civil.
São interesses protegidos pela referida LAP, designadamente, o ambiente e a qualidade de vida. São titulares do direito de acção popular, quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e as associações e fundações defensoras dos interesses previstos no artigo 1.º da LAP, independentemente de terem ou não interesse directo na demanda, e as autarquias locais em relação aos interesses de que sejam titulares residentes na área da respectiva circunscrição – conforme artigo 2.º da LAP. Embora a LAP não atribua ao Ministério Público iniciativa procedimental ou processual em sede de tutela de interesses difusos e públicos, mas apenas legitimidade substitutiva em caso de desistência do autor, nos termos do seu artigo 16.º nº 3, esta lacuna foi suprida pelo artigo 26.º-A do Código de Processo Civil, bem como pelos artigos 3.º, n.º 1, alínea e) e 5.º, n.º 1, alínea e), ambos do Estatuto do Ministério Público. No contencioso administrativo, a competência do Ministério Público para intentar acções com vista à prevenção, cessação e reparação de ofensas em bens de fruição colectiva decorre do artigo 9.º, n.º 2 do CPTA.
Ainda no contexto dos sujeitos com legitimidade para a propositura das acções em causa há que destacar as organizações não governamentais de ambiente (ONGAs), disciplinadas pela Lei n.º 35/98, de 18 de Julho, a qual estatui no seu artigo 10.º, alínea b) que as mesmas, independentemente de terem ou não interesse directo na demanda, têm legitimidade para intentar, nos termos da lei, acções judiciais para efectivação da responsabilidade civil relativa aos actos ou omissões de entidades públicas ou privadas que constituam ou possam constituir factor de degradação do ambiente.
José Eduardo Figueiredo Dias afirma que «(…) com a introdução, no nosso direito, do regime sobre responsabilidade civil por danos ecológicos, é em relação à tutela destes danos que a legitimidade das ONGA passa a fazer sentido, na medida em que elas nunca visam a tutela de um dano que tenham sofrido na sua esfera jurídica, mas sim nos interesses que estão “objectiva” e estatutariamente incumbidas de prosseguir.»
Ainda quanto aos meios de tutela contenciosa ambiental, decorre do artigo 42.º da LBA que “aqueles que se julguem ofendidos nos seus direitos a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado poderão requerer que seja mandada suspender imediatamente a actividade causadora do dano, seguindo-se, para tal efeito, o processo de embargo administrativo.”
O “processo de embargo administrativo” foi legalmente concebido como um mecanismo célere com vista a travar ofensas ambientais.
Nesta sede, vem sendo discutido na doutrina se tal mecanismo se trata de um meio processual ou procedimental, e tratando-se de um meio processual se é passível de ser reconduzido ao procedimento cautelar de “embargo de obra nova”, previsto nos artigos 412.º a 420.º do Código de Processo Civil. Na opinião de Carla Amado Gomes, o citado artigo 42.º da LBA constitui uma norma puramente remissiva para o processo civil e administrativo, e, por conseguinte, a tutela ambiental é assegurada através da adopção da providência ou das providências cautelares do processo civil (artigo 381.º e seguintes do Código de Processo Civil) ou do processo administrativo (artigo 112.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), que se mostrem mais eficazes e adequadas a garantir a utilidade da decisão a proferir no processo, concluindo-se, assim, pela inexistência de meios específicos de tutela contenciosa ambiental.
No âmbito dos procedimentos cautelares especificados no Código de Processo Civil, o embargo de obra nova, no caso de tentativas de edificação, revela-se profícuo na defesa dos bens ambientais, podendo ser conjugado com outras providências para assegurar a tutela efectiva dos bens em jogo. No contencioso administrativo, a suspensão de eficácia de um acto administrativo ou de uma norma cujos efeitos se produzam imediatamente, pode constituir um meio adequado a assegurar a utilidade da decisão a proferir na acção principal, desde logo porque recebido o duplicado do requerimento de suspensão de eficácia pela autoridade administrativa, opera uma proibição automática de execução do acto ou norma – conforme artigo 128.º e seguintes do CPTA.
Por outro lado, também o decretamento provisório da providência cautelar pode constituir um meio eficaz de defesa dos bens ambientais naturais, verificados os pressupostos de que depende este pedido. Deve ser decidido em 48 horas, sendo o requerido ouvido pelo meio de comunicação que se revele adequado (artigo 131.º do CPTA).
De todo o modo, a procedência das referidas providências cautelares dependerá da verificação dos critérios de decisão constantes do artigo 120.º do CPTA.
Quanto à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias no contencioso ambiental, defende Carla Amado Gomes que só quando estão em causa posições jurídicas eminentemente subjectivas – o direito à vida, à integridade física, à propriedade - é que se pode aplicar o artigo 109.º do CPTA.
Na opinião da mesma autora, o direito ao ambiente não é um direito subjectivo e os bens ambientais naturais não são individualmente apropriáveis, tratando-se de bens de fruição colectiva, pelo que o artigo 109.º do CPTA não é passível de aplicação nesta sede.
Finalmente, no que toca ao processo de intimação para prestação de informações consulta de processos e emissão de certidões (art.104º do CPTA), é possível a sua aplicação em sede ambiental. É determinante para a obtenção de qualquer informação que a administração se recuse a fornecer, aliás como decorre do artigo 14.º da Lei n.º 19/2006, de 12 de Junho, que regula o acesso à informação ambiental.

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